Ostracion doméstico

Saio sem acordar, vou andando e indo e sonhando
Meu plano é me enterrar em mim e isto não é um poema
Só como nunca estive atravesso os seres na calçada
Cantarolo para mim a canção que não escuto – aquela nascida quando nasci, aquela que me acompanha em cada instante em que existo e que nunca conheci
Olho os transeuntes vindo em sentido contrário, percebo em seus rostos, em seus olhares – estão todos doentes do narcisismo
Pobres brutos. São incapazes de sonhar comigo, eu, o Rei dos Narcisos
Não veem que tenho ao meu lado a mulher que amo?
A que não figura neste interminável delírio?
Já não quero me apartar da sociedade
Nem preciso me isolar em meu castelo de infinitos aposentos dos quais só pude conhecer a mais recôndita masmorra
Um carro estaciona em algum ponto nas proximidades, uma buzinada estridente pretende me chamar a atenção e faz ruir os edifícios sem nuvens nem estrondo
Eles – eles querem que eu pare
Precisam que eu desperte
Não toleram minha independência
É o princípio que lhes foi imposto
Que aceitaram como se ir andando sem princípios fosse impossível 

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