Tamagochi

Sô,
Chega de amor
Não tenho mais cura
Não tenho mais dor
Vem, me dá tuas botinadas
Me chuta, espezinha
Destroça,  acarinha
Me chama de suicida
Tô exausto, entediado,
Desencantado, sem saída
Me deixa aqui pairando cirurgicamente entre a vida e a morte no único lugar que me serve

Me deixa aqui sonhando
Que deus
Nasceu
Em comemoração me deu esse botãozinho
Botão que posso desligar amanhã cedinho
Num aperto suave, descomplicado, indolor
Depois que me deres teu todo teu amor

Chama o Altair quando me for
O Téo, o Jofre, Cacá, Nicanor
Traz cada um dos homens teus
Vamos enfim festejar deus

Que trabalho hediondo ter de te dar atenção
Escutar, fazer de conta que gosto e ouço
Preparar a cabeça e o corpo para o coito
Fingir que sinto prazer, negociar minhas carícias
Gemer no tempo certo, balbuciar as asneiras escrotas
Que adoras ouvir, papagaices tão repisadas que se viessem dos alto-falantes do aeroporto de Congonhas me dariam mais tesão, não esmorecer na hora agá, espargir cinco gotículas leitosas, fazer cara de gratificação, de gratidão, de, ó mãe, respeito

Sô,
Me deixa aqui no fim do meu dia
A salvo dos vizinhos e do carteiro
Liga pro motoqueiro, cancela o pedido
(Não quero mais saber se ele cuspia na nossa pizza de atum)
Os bebuns dos butecos nas proximidades
Quero me preparar, não consigo
Adeus, minha querida
Adeus abulia. Anomia. Distopia
Vou seguir o cheiro de melancia