Mudei.
Estou mais mórbido.
Excretando interiormente uma fonte cada
dia mais pródiga de pus. (Desculpe, sei que você não gosta desse tipo de
detalhe.)
Mudei por você, em parte. Depois que me deixou
comecei a sonhar que te chamo. E pesadelos em que uma mulher braba sem rosto corre
atrás de mim c'um cutelo de destrinchar frango.
De repente passei a ver uma máscara feita
do teu rosto cobrindo o rosto de mulheres. A caixa do mercadinho. A gerente do
mercadinho. A balconista dos frios. A jornaleira. A frentista. A ubíqua
atendente das minhas carências.
Tive uma crise de vômito e fui na gastro há
duas semanas. Meu nome foi chamado. Entrei. Ocupei uma cadeira como me
indicaram e fiquei lá sentado fascinado enquanto ela-você preenchia as
fichinhas. Profissão? perguntou. Explorador onírico, respondi. Ela-você riu,
exibindo uns dentões magníficos de angélico-selvagem marfim.
Me pediu uns hiperultrasons do ventre,
uns exames de sangue.
Ontem voltei com os resultados.
Depois d’uma hora e meia de atraso
ela-você chamou meu nome. Entrei na sala com o coração aos solavancos. Mas ele,
coração, congelou quando vi que não havia mais ninguém na sala.
Além de você.
Examinou a fotografia das minhas
vísceras. Seu fígado está sessenta por cento tomado pela gordura, comunicou,
informou, relatou. Estado avançado de cirrose.
Vamos ali na esquina tomar um Balla,
convidei, pondo minha mão sobre a tua. Um só que seja.
Você deu um gritinho assustado e puxou a
mão numa reação de nojo e perturbação.
A dra. Ana Maria rabiscou uma receita,
fez umas recomendações apressadas.
Não se aproxime de feiticeiras!
Até quando, doutora? Não me diga que por
todo o sempre!
Não por ora.
Respiro aliviado. A mágica acabaria de
vez.
Ela abriu a porta e me enxotou da sala.