Fresta II

Lola, vê, descobri a mina da minha infância, donde brota interminavelmente tua imagem. Lola, eu estava atrás da porta quando ouvi falar de ti a primeira vez. ¿Cuántos años tenías? Lola isso, Lola aquilo, diziam o tempo todo. E estou aqui te olhando olhar tudo e todos, falar e ser ouvida, explicando por que fizeste tudo aquilo que fizeste hoje. O pessoal em volta da mesa de jantar escuta com atenção tuas palavras que fluem sem parar mas que não cansam. Enquanto falas às vezes olhas para cada um dos presentes, às vezes olhas o teto buscando inspiração para teu inesgotável assunto. Lola, onde estás? Eu aqui falando de ti, sempre sozinho a me lembrar, me lembrar. Estou cansado, Lola. Cansado de me lembrar de ti. ¡Coño, Lola! A certa altura pus a mão na testa e pensei, não posso continuar assim, eternamente escutando Lola, preciso arranjar uma saída. Lola, vê, este é meu pai te olhando como se fosses a voz do oráculo, aguardando cada palavra que dizes como se agora, sim, fosse encontrar a chave do enigma. Lembro que brotaste na mina da minha infância e daquele momento em diante nunca mais paraste de borbotar, esparramando-se por todos os caminhos por onde andei, nos quintais, indo para a escola, voltando, indo para a igreja, voltando, ouvindo Lola borbotar, preenchendo um vazio que não sabia existir porque vazio, que só vejo hoje, e me inundavas, Lola. Me inundavas! Me inundavas, Lola! Só por isso consegui viver até aqui. Não fiz outra coisa em meus dias exceto te escutar e te olhar. Então, decidiste entrar para o grupo das pessoas proibidas, grupo que rondava as cercanias dos caminhos das crianças, à espreita de imprudentes que pudesse arregimentar. E te deixaste arregimentar, Lola! Daí em diante, para te ver, para te escutar, tinha de passar pelo grupo - tarefa que, bem o sabes, estava muito acima da minha capacidade, Lola! Pois não tenho capacidade para nada, Lola! Mas ficaste impotentemente inerme, já te havias bandeado para o lado de lá. E me deixaste aqui sozinho, Lola, eternamente aguardando tua aparição nas manhãs de domingo. Foi o único momento que me deixaste de alívio, Lola - as manhãs de domingo, depois da missa. Punha-me atrás da porta e ficava ali, quieto, boca seca, um pé na sala, outro no meu grande vazio, que voltara, pois me abandonaras, Lola! Bem o sabes! E por meia hora ficava te olhando hablar, hablar, Lola, borbotavas como nunca, Lola, e eu só podia te olhar sem fazer nada, me agarrando à tua imagem como a uma âncora flutuante que me pudesse salvar da tormenta. Lola, estás ali borbotando sem me ver, talvez esquecida de que existo. Existo, Lola! Me vê! Sei que um dia passarás para o grupo dos banidos, Lola! Dos que nunca houve. Sei! E ver-te-ei no más! Lola, por que és tão santamente cruel? Continuas a viver desconectada de todas as pessoas que conheço e de todas as coisas, pairando sobre os dias de todos nós, fora do nosso alcance, à nossa revelia. Só posso te ver cuando me recuerdo de ti, Lola! Em breve tudo estará terminado, lo sé. Puedo dizer, ainda bem! He esperado até agora que me fosses arrumar una solução, acreditando, desde aquele día em que te conheci, que eras a luz-guia que me tiraria das trevas. Mas, sabes, cansei. Como podes ser tão judiciosa ao olhar a todos, Lola? Ninguém olha feito ti! E tus lábios, que quase no se mejem mientras hablas, parecem abrirse por fuerza das verdades inelutáveis que manténs no sé em que santo lugar, recódinto rincón de tu espírito. Eles não saben, Lola, e así te escutam meio distraídos, como que por deber. Mas me acercando um poco más da mesa e atentando, Lola, vejo que de hecho no hablas nada! ¿Cómo puede? No hablas absolutamente nada, Lola! No hablas nada sin embargo pareces decir con a mais honda de las convicções y al mismo tempo com la simplicidad das vestais, pues entonces, dizes, el bálsamo de la vida se viende en la tienda número tal, si no hubiera, sabem, puede encomendarse, sí, estranho, ¿no?, 24 horas? Então todos riem inhibidos, Lola, não sabem si manifestação do teu humor ou otro princípio de conduta, e continuas, pois bien, exactamente neste local, exatamente adonde estás hoy esta casa pasavam los dinossauros que por acá viviam hace 70 milhões de años! E todos arreganham bocas e franzem testas de surpresa. Y así vás. Mexendo os lábios como se dissesses coisas dese tipo no mais singelo coloquial, mas que, todos sabemos, contiene la certidumbre da verdad. Tus lábios se mexem mimetizando o que parecia ser la reza que curaria todos os males e redimiria a todos nosotros sofridores inveterados. É uma simulação hipnotizante, Lola, pois continuam todos em volta de ti te escutando feito estátuas. E a maneira como olhas o teto para dar ênfase à tua retórica inexistente! Mas espera! Mas não olhas o teto! É apenas o reflexo das chamas das velas que estão sobre a mesa nas lentes dos teus óculos! Que brilho miraculoso, este! Eu estava certo de que eram teus olhos. Pensando bem, não sabia que usavas óculos, Lola! Lola, Lola! Preciso encontrar uma saída! Simplesmente não posso continuar assim, Lola! Me ajude, Lola! Lola, diz alguma coisa! Uma palavrinha e fico satisfeito! Diga oi, como vai, qualquer coisa! Lola! Vou perder minha famigerada falta de autoconfiança, vou me aproximar de ti! Que se danem todos, que te querem só para si. Também tenho direito a tirar uma lasquinha de ti, Lola! Lola, dá uma lasquinha! Fala mais alto, Lola! Tira os óculos, Lola! Olha para mim, Lola! Me faz crer em deus, Lola! Dá uma benção, Lola! Me indica um caminho, Lola! Diz que estou vivo, Lola! Lola! Lola! Abre os portões do oráculo e deixa que eu escute tudo! Deixa-me aproximar de ti e te tocar, Lola, sentir em minhas mãos a carne rija do teu braço coberto por essa blusa de caxemira. Mas onde estás, Lola? Não te vejo mais! Lola, pensei que estivesses aqui! Onde estás? Não posso mais voltar, Lola! Não tenho aonde ir! Tudo acabou atrás de mim, Lola! Escuta! Escuta! Onde estás? Preciso encontrar uma saída, Lola! Ouve, Lola!