Sei que é chato mas aqui vai uma sugestão
ao pessoal (inclusive jornalistas, autores de telenovelas, cronistas) que usa “ops!”,
“alôôu”, ‘não sei você mas eu...”, e
outras interjeições e expressões copiadas do inglês: please, assistam menos
seriados americanos e leiam mais Machado. Até ajuda a arrumar assunto e
desenvolver um mínimo de beleza e estilo.
Aproveitando, hoje li num comentário de
leitor no fórum do Estadão o seguinte dois pontos “Dilma mexe-se em seus últimos estertores”. Ainda se esses caras se
limitassem a escrever o feijão-com-arroz em vez de dar uma de gostoso, não é
mesmo?
Outro dia no Manual Mirim da Classe Média Deslumbrada (Revista Veja) um jornalista dizia “última pá de cal”
sobre uma coisa qualquer. Na orkut tinha um sujeito metido a intelectual que um dia também veio com essa...
Há uns tempos participei mais ou menos
ativamente de vários fóruns de jornais e revistas, até me mancar. Que é que
posso esperar de gente que escreve últimos
estertores? E jornalistas que mandam última
pá de cal?
Outro dia, passando a vista na edição
online do Manual Mirim da Classe Média
Deslumbrada, dei com o italiano Umberto Eco (classificado de filósofo)
dizendo que as redes sociais dão voz a uma “legião
de imbecis” que antes falavam apenas “em
um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Normalmente,
os imbecis eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra
de um Prêmio Nobel”. Segundo Eco, a TV já havia colocado o “idiota da aldeia” num patamar em que este
se sentia superior. “O drama da internet
é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Para Eco, os
jornais deviam usar uma “equipe de
especialistas” para filtrar as informações da rede porque ninguém é capaz
de saber se um site é “confiável ou não”.
Well, modéstia parte, também tenho meus
reparos à redes sociais, mas opostos às considerações do ilustre escrevinhador
carcamano. O triste no face e companhia bela é ver que quase todo mundo está se
entregando a brincadeirinhas frívolas e joguinhos e piadinhas, jogando no lixo
um tempo precioso que podiam dedicar ao estudo e à leitura, por exemplo. Quanto
à “legião de imbecis” a dedilhar aboborinha na rede, o grande barato da
internet é EXATAMENTE essa riqueza infinita de gente de TODOS os níveis, origens
e ideologias falando o que lhes dá na telha. Sem contar que você pode encontrar
de virtualmente tudo online. Se com a viagem à lua demos um passo gigantesco etc., com a
rede mundial demos uns mil. Eco, sendo acadêmico, se acha a autoridade, o sábio
com direitos naturais a se apropriar da verdade e deitar falação como se os
demais fôssemos seus alunos. E, como escritor, Eco é um embuste. Seus compêndios
abarrotados de erudição inútil estão milhões de milhas distantes da literatura
genuína. Foram escritos para orgasmo eterno do magistério.
E tem outra, incontornável: não há como “filtrar”
o conteúdo da rede, como tão ingenuamente propõe o pensador calabrês. A
internet é território livre – livre inclusive do jugo dos donos da verdade, entre
eles bacharéis e jornalistas. Falar em filtrar a rede é o mesmo que tentar
segurar o Uber, aquele novo aplicativo que abre o mercado de transporte
individual (táxis) a motoristas “particulares”. Os taxistas estão possessos. Se
acham donos das cidades. Sintomaticamente, o mesmo movimento anti-Uber ocorre
na França, paraíso das corporações. É uma das razões pelas quais a terra de
Brigitte Bardot vive encalhada econômica e culturalmente, sempre a reboque da
Alemanha e dos EUA. Alguns intelectuais franceses foram os primeiros a se ajoelhar diante do líder metalúrgico e depois saqueador do Tesouro Nacional e da Petrobrás. O corporativismo é o fardo do atraso que nós brasileiros
somos obrigados a levar no lombo. Vide sindicatos e máfias em geral. E o pior
de todos, o funcionalismo, o maior responsável pela bancarrota da previdência
social, cujo déficit de incontáveis bilhões será debitado na conta de quem
recebe um salário mínimo de aposentadoria. Não há político, de partido algum, homem
o bastante para peitar os nababos públicos e suas mamatas obscenas. São sabe-se
lá quanto milhões de vagabundos encostados em repartições e estatais e
autarquias coçando seus sacos murchos, vitaminando suas contas bancárias, dando
uma banana a nós pagadores de impostos otários que os sustentamos. É casta que flagela
o Brasil desde o Descobrimento. O que me impressionou em Triste fim de Policarpo Quaresma não foi o nacionalismo doentio do
moço e sim o desfile incessante de milicos e barnabés vadios, personagens
gaiatos e desprezíveis eternamente a sugar o Erário. E parece não haver remédio
para a praga. Quem está fora da casta de marajás só pensa em entrar. Até nossos
maiores poetas e escritores corriam a descolar cedo na vida uma boquinha em
alguma secretaria pública que lhes permitia dedicação total aos seus misteres
literários, ou seja, às custas dos contribuintes. E... ops! Got carried away,
sorry, hehehe.
Os fóruns de leitores são imperdíveis. Minha
leitura preferida. Termômetro inigualável da nossa cultura. Ou falta de. Retrato
fiel da cabeça do brasileiro médio. Está tudo lá, a jequice, a boçalidade, a ignorância profunda, a cafajestice orgulhosa, a descortesia que não pede licença, a
hipocrisia, o falso moralismo, os preconceitos mais rudimentares. Os lullopetistas
formam, naturalmente, um caso à parte. Que cara-de-pau, santo pai. Coisa de delinquente
profissional, aquele sujeito que se marginalizou a tal ponto em relação ao padrão
social aceito, que desenvolveu uma capacidade de externar as mais delirantes
declarações sem se dar conta do mal-estar que causa em terceiros. Comportamento que copiam com desassombro e galhardia de Lulla.
Mais do que a análise antropológica, porém,
curto mesmo é o uso idiossincrático que os leitores fazem do idioma. Trucidam
as mais variadas normas da língua sem olhar credo nem raça. Não canso de me
espantar com a sem-cerimônia com que espezinham o vernáculo. Qualquer dia crio
paciência e coragem e inicio uma compilação do material. Tarefa para uma equipe
multidisciplinar de professores-doutores. Chefiada por um linguista. Sei que alguns
dos meus leitores poderão me achar virulento além do digerível por falar nestes
termos. Sorry. Mas para mim o respeito à língua é o sinal mais importante do
caráter duma pessoa. Não confio em quem a maltrata, seja por preguiça de
pensar, seja por mero desleixo. (O desleixo está na base da nossa indigência.)
A língua se constitui de regras, e o
adverso a elas opta necessariamente pela entropia. A favela de Heliópolis é um
monumento ao caos. Passo diante de barracos e invariavelmente me vem à mente “Pombas, essa gente não pode ao menos se
abster de empilhar lixo diante de suas portas? Será tão difícil manter os
arredores livres de restos de comida e entulho? Por que será que quando pegam
dengue aparecem na tela do SPTV se lamuriando que o governo isso, aquilo e
aquil’outro?” Sem estrutura não há civilização.
Escrever não é moleza. Me refiro não à
escrita literária e sim à comezinha, a que usamos para fins funcionais e práticos
como nos comunicar e passar e receber recados. Esta merece tanta consideração e
apreço quanto aquela. Serve como nosso cartão de visita. Tal como a literária,
deve seguir certos preceitos insubstituíveis do vernáculo. E nem precisa ir à
escola aprender.
Basta ler Machado. Com Machado você
verifica quão fantástico e sem fundo é o oceano por sob as palavras.