Mil, trezentos e cinquenta e sete ou Carta a uma poeta

Vejo Elizabeth vindo ao longe.
Ela vem dormir em minha cama.
Tomara que não seja romântica.
Tentarei cercá-la de cuidados. Espero que os vizinhos não façam barulho. E muito menos soltem rojões.
Será que vai me perguntar o que faço na vida?
E se perguntar, que é que vou dizer?
(Tentarei tergiversar dizendo que o auge da minha vida ocorreu há longos anos mas não o aproveitei pensando que o auge da minha vida já tinha ocorrido ou me enganando que o auge da minha vida ainda não tinha chegado.)
Não posso contar a verdade. Mas se não disser a verdade, que é que poderei dizer?
Não sei mentir. E confessar que não sei mentir é meu último recurso. E quando recorro ao meu último recurso, não tenho mais salvação.
E tenho certeza de que ela não se deixaria burlar por tão primário truque — poetas são seres matreiros — poetas mulheres, então...
“Mas que é que você faz, afinal?”, vai insistir ante meus olhares dissimulados.
Padre, como é que poderei ocultar meu tormento? Ante uma inquirição qualquer, de pronto me exponho do direito e do avesso. Entrego logo meus mil defeitos. E, se acharem que é pouco, sou capaz de inventar duas dúzias mais, só para contentar meu inquiridor.
Se fosse ainda moleque, jogaria um comentário displicente e impreciso mais ou menos assim: faço teatro amador nos fins de semana. Mas, mesmo quando era moleque, nunca convenci ninguém. (Como é que um inconvicente poderia convencer alguém?)
Não. O melhor é radicalizar. Ir pras cabeças. Nas poucas vezes em que me dei bem, me dei bem indo além do além. Além do que ninguém poderia supor que eu fosse capaz de ir. Nem mesmo uma poeta.
Sobretudo uma poeta?
Sou engenheiro.
Ah! agora quero ver a cara dela!
Sai dessa, madame! Além do além do além. Engenheiro, porra! Você passou debaixo daquele pontilhão que liga o centro ao bairro? Pois é. Cruzou a avenida que leva do oeste ao norte ao sul ao leste? Também! Passou defronte o novo prédio da prefeitura?
Santo padre, que pífias minhas respostas. Percebe agora por que afundo mais sempre que tento uma solução?
Que nada, cara! ela ri, me congelando o sangue nas veias. Adoro engenheiros. Já namorei dezenas de engenheiros em minha vida. Transei com centenas deles. Até visitei o Cristo Redentor com um.