Travado faz uns dias a tranca incontornável. Em parte pela
depressão. Faz um bom tempo que não falo da depressão. Em parte pra não acabar
falando de Darkness Visible, William
Styron. Faz uns anos que não falo desse livro. Enjoei mas tenho essa forma
peculiar de enjoar, um enjoo criativo que em geral se revela compensador. Literariamente.
Que é o que interessa. Acho que não me restou nenhum interesse fora escrever. É
um dos efeitos da depressão braba. Fico alheio ao mundo sensível e os estímulos
só me assoberbam ao invés de despertarem sensações que por sua vez poderiam
evocar sentimentos e emoções. Uma imagem próxima, para fins de descrição,
talvez seja a duma prisão sem porta nem grades. Você sabe que há um mundo lá
fora, um mundo em que uma vez você viveu e lhe foi familiar e que desfrutou e
se lembra mais ou menos vagamente que há nele uma abundância de delícias e
padecimentos e gozos e dores e altos e baixos e terremotos e tardes plácidas,
um mundo cujos contrastes agora parecem tão supérfluos e riquezas, tão
depauperadas, e você simplesmente não
tem ânimo nem vê razão suficiente para sair de sua cela. É uma vida morta.
Styron tampouco chega literariamente longe nas pouco mais de
cem páginas (pelo que me lembro) de Darkness
Visible, embora grande escritor. Não encontra um caminho para escapar da
prisão, se limitando a processar e reciclar o poder descritivo com o vocabulário
variado – soturno, sombrio, pavoroso – mas previsível e insuficiente para
sugerir uma ideia total da “morte” que vai nos roendo por dentro. Talvez seja
impossível. O contrário seria como imaginar que beber ou cheirar ou tomar LSD
pudesse nos facilitar o caminho da revelação artística. Nada disso. A química
serve apenas para nos afastar da nossa interioridade e embotar nossa capacidade
de sentir. E ser.
A depressão, dependendo, idem. Escrevi diamantes deprimido
que brilham além do que poderia ter feito “normal”. Bêbado também. Mas havia
uma emoção definidamente identificável por trás, uma emoção suficientemente
possante para atravessar a zona depressiva que atua feito um filtro demoníaco,
reduzindo sentimentos e palavras a pó intangível, enxotando-os de volta à
caverna escura lá no fundo onde ruge a fera sem rosto, sem voz, sem nome.
Se te interessa saber, você pode identificar, se quiser, os
impostores que clamam a façanha de retratar a fera em linhas grossas e
bem-definidas e cores sólidas.
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