Meus quase três leitores e um quinto
ainda não perceberam mas abri o campo de comentários já há alguns dias. Peço
que comentem sem medo. O máximo que pode acontecer é um raio disparado por Zeus lhes passar raspando pela testa e chamuscar uma de suas elegantes sobrancelhas.
Fiquem tranquilos, cuidarei para que o sempre enfezado gostosão do Olimpo continue ruim de
mira. Levo umas manhas com o cara, provavelmente por consanguinidade. Ou
afinidade poética. É claro que não comungo de todas as esquisitices do sujeito.
Afinal ele é o reizão do incesto; e do filicídio; e do parricídio; do
matricídio; fratricídio; e outras excentricidades mais. Comentem à vontade.
As tragédias gregas eram, como direi?
trágicas por dois motivos. O primeiro compreende o enredo de desastres e os
personagens desgraçados. O segundo, do qual deriva diretamente aquele e não
parece tão na cara, só fica óbvio para quem se dá o trabalho de conhecer pelo
menos três ou quatro peças. O segundo é que importa. É o aterrador. E o
estarrecedor.
Shakespeare fez descer a tragédia do Céu
para a Terra. Era ateu mas isso não tem nada a ver com o avanço, como poderia
pensar um ou outro dentre meus leitores mais afoitos. Os deuses dos gregos
foram substituídos por bruxos e feiticeiros nas peças do bardo. Segundo Harold Bloom,
foi Shakespeare o inventor do monólogo da literatura, o que provavelmente
significa que só homens e mulheres falam consigo mesmos e têm, portanto, uma
dimensão psicológica. A violência de Macbeth é a mais irrespirável de toda a
literatura ocidental. O cinema de hoje que escandaliza puritanos, pudicos e
hipócritas em geral faria cócegas no general.
Este mundico hipertécnico e confortável a
que nos habituamos nos roubou a perspectiva histórica, retomando o que comecei
a dizer ontem. Não que haja alternativa ao progresso como ele se dá ou que
tenhamos sido mais “felizes” em épocas passadas. Não sei se é só impressão mas
a rapaziada de hoje tende a achar que a violência não faz parte do mundo. Gente
primitiva que rouba e mata por um celular não pega bem com a “realidade”
encharcada de fantasia pela interatividade. Esses caras só servem pra estragar
a ficção. E tem a claque do outro lado, os que vivem lamuriando que “falta
polícia na rua”. Esses pensam que o estado é onipotente e tem meios de botar
dois peêmes em cada esquina duma cidade como Sampeia.
Os do segundo time em geral são tidos, e
se consideram, de direita. São os mais fanáticos pela ideia de que um golpe
militar seria solução pra zona que o lulopetismo instalou no Berção. Se são de
direita, por que raios esperam que um braço do estado, os milicos, venham
quebrar seu galho? O desastre lulopetista é uma encrenca civil e deve ser
enfrentada pelos civis. Ou os caras vão choramingar pela intervenção manu
militari toda vez que a situação ficar preta? (ou ruça, pros mais pecês).
Esses sujeitos parecem almejar a viver num paraíso em que as regras
democráticas nunca são violadas mas quando são... o paizão de uniforme de risca
e bigodinho-escova pega seu belo cacetão em cima do armário e senta na moleira
dos desordeiros. Esses caras nunca vão tentar andar com seus próprios pés?
Nunca vão aceitar que a vida a construímos dia após dia, que não há receita
pronta nem happy endings?
Os que sofrem da doença da ideologia —
97,47% da humanidade —, seja qual for, imaginam que o mundo pode ser
controlado. Sim, é uma visão totalitária. E, lógico, absolutamente ingênua.
Que, todas as vezes em que surge um salvador da pátria tentando aplicá-la,
redunda em tragédia. Seja o Pixuleko ou Ernesto Geisel (que, diga-se de
passagem, faz o País marcar passo por uma década com seu protecionismo
retrógrado, ao lado de outros fósseis como Médici e Figueiredo). Os ditames que
ideólogos dessa ou daquela linha tentam estabelecer por aí não passam de
teorias que não têm aplicação prática em nenhum lugar do mundo. Não existe
capitalismo puro nem nos EUA nem em nenhuma outra parte. Assim como não há nem
jamais houve, obviamente, socialismo. Se trata apenas de “conceitos” criados e
veiculados para facilitar a discussão, essa, sim, pródiga e prolífera. Os blogs
da revista Veja se converteram em guetos ilegíveis porque minam o debate ao
invés de estimulá-lo. Aposto com quem quiser: aqueles blogs fatalmente
desaparecerão, ou perderão a relevância, depois que o lulopetismo for removido
do Planalto.
Os totalitários da esquerda e da direita
buscam a clareza, a limpeza, o equilíbrio. Para toda a eternidade. Se permitem
fechar os olhos para a história da humanidade, toda ela feita de obscurantismo,
sujeira e desequilíbrios. E sangue às toneladas. Vivem pelo “ideal”. Sonham com a “perfeição”.
Projetam platonicamente um fim em que acabaremos todos fraternalmente iguais e
solidários ou seres realizados individualmente segundo a capacidade de cada um.
Querem esquecer que neste mundo que vivemos tudo é cíclico, desde os princípios
biológicos elementares que regem nosso comportamento como o dia e a noite e as
estações até nossos mais vagos e abstratos pensamentos que fantasiamos
controlar mas na verdade se repetem ditatorialmente em nossos cérebros à nossa
mais inacessível revelia.
O imprevisível, tão execrado pelos
totalitários, parece depender do estágio civilizatório de cada país. Por aqui
temos, e continuaremos a ter por séculos, 50 mil assassinatos e 50 mil mortes
no trânsito anualmente (quero crer que cada um deles imprevisível como soem ser
os assassinatos e os acidentes automobilísticos). Você vê alguém reclamando,
fazendo greve na Previdência, criando boneco inflável, chamando rede nacional
pra denunciar? Eu também não.
Nas terras do Uncle Sam a coisa tampouco
anda soft, embora bem mais palatável. O carro lá mata gente pacas, não tanto
quanto, mas os ajustes de contas mano a mano são bem mais escassos, em que pese
os sempre escandalosos tiroteios em universidades e escritórios.
E a Old Europe, no achincalhe despeitado
de Mr. Bush Jr. quando franceses e alemães se recusaram a entrar no embuste do
Iraque, volta a tremer com a onda migratória dos sírios. A esta altura os europeus
já devem estar se acostumando com as inconstâncias de existir, depois de 20
séculos de selvageria. O último alarme mais grave se deu em 2011 na Noruega,
quando o lunático clínico Anders Behring Breivik liquidou 77 pessoas em nome
duma salada de causas e ideologias.
O crente político e o crente religioso
sofrem da mesma soberba: se acham especiais. Não falo do kamikaze que morre por
uma causa. Falo do cidadão acima de qualquer suspeita que supõe ingenuamente
que não há modo de vida e visão de mundo possível que não o seu.
Todos eles pensam que o natural é crer.
Mas por quê? venho me perguntando desde
sei lá quando.
Duvidar me parece tão mais crível. E afeito
à nossa natureza de seres inquietos. Ou à minha, pelo menos. O resto, fazer o
quê...?
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