Me lembro lembrando subindo a rua da casa
antiga pensando que não mais me lembraria quando descesse. Voltei por outro
caminho e não sobrou nada do teu rosto.
Teus olhos eram o esquecimento.
Me lembro da cabeça desorientada e dos passos
determinados seguindo aonde imaginei que estavas. As nuvens rumavam para o
poente longe da esperança. Todos na rua
caminhavam para o único lugar a que sabem fugir.
Durante o trajeto fui te destruindo. Te reconstruindo.
Tua boca, um só lábio. Teu rosto, dois queixos. Um sorridente, outro aproximadamente.
Passei por um bar.
Passei por outro.
Por um terceiro.
Um quarto.
E mais um e mais um.
Não parei em nenhum.
Chove e não tenho guarda-chuva.
Doze mil motociclistas morrem neste país
a cada ano.
Me encosto na parede, cruzo os braços, cruzo
as pernas.
Quero fazer mãos-ao-alto em plena esquina
Antegozando o assalto
E enquanto meus braços se erguem
Me perguntar, Me diga aí alguém, pra que li milhares de alfarrábios? Que é que vou
fazer com os tratados e suas revelações reducionistas?
Nunca poderei superar o trauma da tua
perda
Ao me perder, curaste tua dor ensaiando
um lamento
Nunca poderei superar o trauma do teu
lamento
Posas de feminista
Evito me abismar
Me lembro da cerva que não tomamos juntos
Descendo a rua sonho que me agasalhas em
teu útero
Onde me deixarás viver sem jamais ser
parido
Não te predarei
Não me abortarás
Desacelero meus passos
Me sincronizando com o futuro do passado
Desço, desço desfocado
Meus olhos lacrimejam sonhando com o
oceano Atlântico
Sob pontadas no tornozelo
Me apresento
Estendo a mão direita
Pareço tão viável por um segundo
Deixo pela primeira vez que meus delírios
batam asas por sobre os cabos elétricos dos postes como se tivessem razão de
existir
Volto
Volto pela noite errada
Volto pela rua errada
Entressorrindo mentirosamente
Me assisto
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