Meu Chrome
fica o tempo ligado na rádio venice
classic, em www.veniceclassicradio.eu.
Só clássicos clássicos, se me faço entender. Ativo e desativo o volume,
dependendo. Música clássica, ou erudita, no Brasil, não é toda escutável só
porque tem violino ou oboé ou maestro regendo. Boa parte é... Ia dizer porcaria,
coisa chata cai melhor, não tô a fim de pisar nos calos dos músicos. Villa
Lobos, por exemplo, é unanimidade só por aqui. O que é normal. Essa coisa de
puxar sardinha acontece em toda parte, mesmo nos “civilizados”, aqueles que
trucidaram noventa por cento da população para chegar aonde estão hoje. Muitos dos
escritores e poetas americanos incensados por lá não entrariam na minha lista
dos cem mais (ecos ainda a ribombar das Cem
melhores crônicas brasileiras de que falei outro dia e, espero, terminarei
de falar qualquer hora). E esse tipo de assunto sempre sucumbe por sob uma
camada mais ou menos espessa de areia movediça. Para Harold Bloom, considerado o
maior crítico do planeta pelos, bidu, americanos, The Tobacco Shop, de Pessoa, é, de novo, um dos maiores poemas da
literatura ocidental au au escritos até hoje, com o que concordo do primeiro ao
último verso, claro. Mas Bloom, no que me soa como implicância acadêmica, não
inclui Edgar Alan Poe no primeiro time. Do lado debaixo do Equador, Wilson
Martins, provavelmente nosso mais importante crítico literário, suspeitamente
desancado por Flora Süssekind em artigo escrito após a morte de Martins (podia
ter peitado o homem ainda em vida), em História
da inteligência brasileira, que, reitero, ainda aguardo de presente de
Natal, qualifica a poesia concreta de simples exercícios tipográficos, levando o
despeitado Haroldo de Campos a subir pelas paredes de seu apê em Higienópolis e
me lavando, enxaguando, secando e passando a alma. Tudo estaria bem se o mesmo
Martins não tivesse decretado que Ignácio de Loyola Brandão é um mestre da crônica
brasileira. Quando li tal diagnóstico pensei que se tratasse de erro de impressão.
Quando me certifiquei de que não, peguei e fui reler alguma coisa de Brandão
para ver se não estava ficando louco. Não. O louco era meu xará. Xeretando na rede dou c’uma tradução de Psicografia para o inglês: “The
poet is a man who feigns And feigns so thoroughly, at last He manages to feign
as pain The pain he really feels”. Não precisa dum tratado pra explicar por que a
grande poesia é intraduzível. Fiquei chocado quando li há uns dois anos um
artigo no New York Times sobre James
Dickey, um dos meus poetas americanos prediletos, onde ele falava dum poeta
português “chamado Fernando Pessoa”, que
se desdobrara em quatro (sic)
personalidades e “tentou criar uma obra
totalmente separada para cada um dos quatro. Infelizmente, acho que nenhum dos
quatro se saiu muito bem, mas que ideia fantástica!” A ignorância dos
comedores de biguemaque a respeito do resto do mundo é mesmo abissal, não é apenas
anedótica. Depois dessa tive de deixar Dickey em quarentena. A mesma que
apliquei a Pessoa há duas décadas quando soube que ele acreditava piamente em,
eca, horóscopo. Tinha um encontro com Cecília Meireles em Lisboa e se atrasou
nada menos que dez horas porque os astros desaconselhavam que saísse de casa
antes. E Dickey certamente teria formado outra ideia de Pessoa se imitasse Ezra
Pound e aprendesse o idioma exótico só para ler poesia no original. Pound
conhecia dezenas de línguas. Roman Jákobson lia Pessoa em português. Eu atiraria
o livro na lareira se desse com “The poet
is a man who feigns And feigns so thoroughly” logo nos dois primeiros versos.
Finzinho da tarde, tomo o oitavo banho
sob a canícula, assistindo rios d’água a escorrer pelo ralo com a cara do Alckmin
(que se outorgou um prêmio por ter “solucionado”
a crise hídrica, cuspe), a rádio na internet toca um concerto que levei algum
tempo para discernir. Então, Brahms. O terceiro “B” dos três que fazem um dos
orgulhos, justificados, não a nossa vaidade brasílica absolutamente furada, dos
alemães.
Fiquei indeciso aos primeiros acordes
porque sempre me custa identificar o sentimentalismo de Brahms e aceitar essa
droga de BBB que os germânicos forjaram só pra criar o acróstico mercadológico.
Saí do box, fui correndo botar Meeresstille und glückliche Fahrt, antídoto
que surte efeito mais rapidamente, sobretudo por ser uma cantata, formato menos
frequente em Beethoven, estabelecendo o grande diálogo com Bach.
É recurso a que sou obrigado a recorrer
quase todas as vezes em que me deixo apanhar desguarnecido por um compositor piegas
como Brahms ou choramingão como Tchaikovsky.
A altivez de Ludwig seduz por si só e,
aliada à genialidade musical, me leva e eleva ao céu. Ludwig não se deixou
abater ou humilhar sequer pela atrocidade da surdez a acometer logo ele. Ludwig
não tinha vocação para vítima e não fugiu à luta quando confrontado pela vida.
Lembra tanto os coitadinhos esquerdistas
do nosso Berção, não lembra? A elite isso, os tucanos aquilo, a polícia, o
racismo, a imprensa golpista...
Lembram quando Dilma, a Patética, há uns
anos chegou na Europa botando banca pra cima da Merkel querendo dar lição de
gerenciamento de crises? E quando Lula caçoou que Obama precisava implantar um
SUS nos EUA?
Vai ver, é por essa e outras que estamos
décadas à frente dos chucrutes e dos ianques. Hoje reli a crônica de Nelson
Rodrigues, Complexo de vira-latas, inclusa
nas Cem melhores. Nelson errou feio
em seu diagnóstico da nossa pretensa humildade. No mesmo livro há uma outra, de
Alcântara Machado, essa sim precisa na análise desse povo que se acha conterrâneo
de deus. Se chama Genialidade brasileira
e ri da nossa mania de nos considerarmos gênios.
Aí vai um tira-gosto:
“Castro
Alves bate Vítor Hugo na curva. Wagner é canja para Carlos Gomes. Em Berlim
como em Sydney, em Leningrado como em Nagasaki só temos admiradores invejosos. O
universo inteiro nos contempla. Eta nós!”
É sintomático que a visão ufanista de
Nelson Rodrigues corra de boca em boca e a constatação de Machado seja
absolutamente desconhecida. Somos os gostosões. O mundo que caia em genuflexo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário