Será verdade que o mundo sorri aos inocentes?

A porta da casa se abre de repente abrindo repentinamente a porta da casa.
Ela sai, fechando a porta atrás de si, avançando o pé direito para a soleira e iluminando-se pela luz solar do meio da manhã. Queria estar no meio da tarde. A luz do sol, sólida, afoga todos os pedestres, engole cada detalhe do mundo exterior.
Ela ganha a rua, encostando displicente o portão. O portão é feito de ripas laqueadas de cinza. A fechadura do portão está quebrada.
Assim que se encontra na calçada, ela se volta para a direita, a direção que a afastará do centro da cidade. E, sem preguiça nem vergonha, sem psicologia nem óculos ela começa a avançar pela rua. A rua vai caindo em ligeiro declive, não chegando a se constituir uma ladeira.
Ela veste um conjunto de blusa e saia em tecido estampado cuja cor predominante parece ser o verde. O alaranjado. O mate.
Suas panturrilhas são bem-lapidadas. Mas vigorosas. Robustas demais para sugestões sensuais. Quem caminha atrás pode ver parte da alça esquerda do sutiã bege pela cava ampla da manga da blusa. O sutiã certamente não é novo nem usado. Mas, também seguramente, ainda guardava vestígios de suor de ontem quando ela o vestiu momentos antes de sair de casa nesta manhã ensolarada que deveria ser uma tarde definitiva. A tarde absoluta. E é.
Quem vai caminhando atrás torce para que ela dobre uma esquina. Ou de repente se detenha ante um portão qualquer e toque uma campainha. Mas não. Ela simplesmente desaparece. Como não poderia deixar de ser. Também de repente, como não poderia deixar de ser.
Faltava ainda descrever seus cabelos castanho-escuros, presos na nuca, com algumas mechas fugindo rebeldes da presilha. Faltava ainda especular sobre seus passos nem longos nem curtos, mas decididamente resolutos, talvez determinados pela robustez das pernas. Faltava ainda falar do pouco do rosto que pôde vislumbrar quem vinha caminhando alguns passos atrás.
Faltava ainda denunciar o mais importante: o nome da cidade. E a década aproximada.

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