Oi Toni. Dormiu bem? Eu não, pra variar. Vou
tentar ser mais sucinto hoje. Estou me sentindo sob a égide do supetão. Gostava
de ser menos enrolado. Ir direto ao ponto. Acha que tem algo a ver com
frouxidão? Com perdão da rima, não? Eu, sim. No geral sou franco. Já fui mais.
Sabe como é, a gente, digo, os cães vão amadurecendo, entendendo melhor como
funcionam as coisas. Não, não acho que tenha algo a ver com sabedoria.
Particularmente não me agrada essa palavra nem essa noção. Ainda mais vendo que
o mundo é dominado por gente “sábia” que fez dele a grande merda que é. Acha que
aprendeu coisas definitivamente importantes na idade adulta? É mesmo? Bem,
todos aprendemos, claro, sobretudo as que envolvem nossa habilidade de
sobrevivência. Por favor, não vá me achar demasiado filosófico. Ou parlapatão
for that matter. É que — como já deve ter notado — às vezes, quanto tô com
muita, muita fome, sou assaltado por essas duvidazinhas existencialistas e não
sei o que me dói mais, o estômago ou a alma. Tudo bem, pode dizer, sou um
choramingão, tô a par do babado, que é que posso fazer se foi assim que papai
do céu quis? Então aqui voltamos àquela questão de até que ponto aprendemos as
coisas nestas nossas vidas dedicadas a carregar a cruz no lombo. Tudo bem, pode
torcer e franzir esse seu narizinho suave habituado a farejar comidinhas
sofisticadas e temperinhos exóticos, mas essa é que é a verdade, que é que
posso fazer, com perdão da cacofonia? No que me tange (bóióióióióióióim), sou
praticamente o mesmo vira-lata chucro desde aquela fatídica tarde lá pros lados
da Vila Palmares quando mamãe se enfurnou num cano de esgosto e pariu este
vosso lacaio juntamente com dezessete outros serezinhos mequetrefes de igual
paramento e laia. Se um dia quiser verter copiosas lágrimas, me peça pra lhe
contar a minha história e como no dia seguinte me separaram de mamãe e das
minhas quase duas dezenas de manos e manas. Uif uif uif, meus olhinhos se
embaçam só de lembrar. Toni, não esqueci minha promessa de tentar ser sucinto,
não, mas tenho essa mania de me entregar aos sentimentos, me desculpe se
exagero no fatiamento da cebola. Ah, como gostava de ser durão, prático,
pragmático que nem minha Toni. Ter controle fino eletrônico sobre o que penso e
sinto, como deve ser bom. Sabe, tem dia essa hipersensibilidade que papai do
céu me deu, com os cumprimentos do senhor do inferno, me deixa absolutamente
exausto. Na adolescência, começo da juventude, por aí, me sentia um
privilegiado por ter sido dotado de berço destes meus bigodes que captam e
captam e captam e captam e captam sem parar sem parar sem parar sem parar sem
parar tudo que acontece à minha volta e no bairro e na cidade e, agora com essa
maldita internet verdadeiramente digna dos cachorros, em todo o universo. Me
achava o gostosão, vivia botando uma, fazendo aquela cara do castro-alves
assistindo à flagelação dum escravo fugitivo flagrado com a boca na botija
(santa mãe, que vergonha de comparação). Até que com o tempo comecei a me dar
conta de que não passo dum cãozinho impressionável fraquinho demais pra encarar
a dureza do mundo. Tudo bem, pode dizer que, se é assim, então, sim, aprendi
alguma coisa importante ao longo do meu amadurecimento. Mas só vai piorar as
coisas. Essas minhas contradições me cutucam o fundo do âmago como se eu
estivesse entuchado de caquinhos de vidro. Tudo bem, nem precisa dizer, não
estou no melhor dos meus dias. Me condoer e coçar, é só começar. Promete que
não vai me tocar como se eu fora um vira-lata sarnento?
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