Não acha o face desumano?
Oito da noite, tudo
bem, meio tarde prum bom-dia, mas é que continuo com este meu ligeiro problema
com horários, tudo bem também, é algo mais pro cronológico, uma dimensão mais,
digamos, filosófica, faço essa confusão não só com horas e horários mas também
com datas, épocas, eras geológicas, embora me considere relativamente bom em
história, não só, historografia idem, tenho essa, digamos, acuidade natural
para os grandes marcos da raça ao longo do tempo, o que foi importante no
passado, o que não foi, é tão básico pra mim, honestamente, não consigo
entender quem não sabe, só pra dar um exemplo, que Emilio Aguinaldo, líder dos
nacionalistas na Filipina, proclamou a independência da Espanha em 1898 ou que,
em 1942, Anne Frank ganhou um diário de presente de aniversário, brrrr, essa é de
gelar a alma, né? Falando nisso, sabia que o Bruno Bettelheim, aquele psicólogo
judeu que na década de 1979 ficou famosíssimo com suas teorias sobre a psique infantil
e a mecânica do autismo nas crianças, sobrevivente do campo de extermínio de
Dachau e que, em 1990, sob ferozíssimo ataque duma depressão pela morte da
mulher poucos dias antes e sob efeito dum derrame que limitara ao extremo sua liberdade
física (se tem algo a que só damos importância quando perdemos é essa
liberdade, né?), enfiou um saco plástico na cabeça, o que estava dizendo é que
Bettelheim achava o diário de Anne Frank uma merda porque a menina termina o
diário professando “confiança” na bondade da raça humana, essa também é de
doer, né? nunca li o tal diário, nunca quis perder tempo com o que, acho, deva
ser uma choradeira sem tamanho, tanta coisa útil a ler, quer um exemplo? lá
vai, as trinta e tantas tragédias e comédias de Shakespeare, li apenas oito, o
que é uma vergonha prum sujeito que se pretende inteleca feito eu, a Busca, do
Proust, li só seis dos sete volumes, vexame inominável, calamidade, estava
embaladérrimo, devorei os seis numa só imersão psicoliterária de três semanas,
parando apenas pros misteres básicos, então o Grande Erro: parei ao final do
sexto pra mudar um pouco de ares, a escrita do Marcel é ao mesmo tempo
hipnótica e exaustiva, aí o fim, não consegui retomar, essa tragédia ocorreu há
exatos 24 anos, me achava no ápice, maduro, porque, bem, Proust é um desses
rituais da vida que requerem preparo, um tipo... sabe essas abluções que os
cristãos bons de garganta, os turcos do Islã e os judeus fariseus costumavam
fazer depois de se aproximarem de cadáveres ou fazerem sexo e mesmo depois de
se menstruarem ou terem contato com mulheres menstruadas faziam antigamente?
Quer dizer, os xiitas e que tais ainda fazem, vivem na Idade Média, mas essa
necessidade de purificação de que sofrem os religiosos nessa jogada inexplícita
que armam pros ateus pra dar uma de bacanas pra cima da gente, sabe como é, a politicagem
que rege as relações sociais desde que o primeiro homem comeu a primeira
mulher, se é que de fato comeu, às vezes me assalta a mão armada (só espero que
não acabe banhado em álcool e incinerado como parece ser a nova moda dos
ataques nesta terra de Santa Cruz) uma teoria particular que na verdade foi a
Eva quem traçou o Adão, o que botaria a Igreja de pernas pro ar mais do que as
surubas perpetradas pelos padres nas sacristias com pré-púberes mundo afora ou casamento
gay, a senborita sabe de quem estou falando, essa gente que tem necessidade de
se descontaminar a cada cinco minutos, uma vez tive uma namorada que precisava
tomar banho antes de cada transa, Cacilda, não, era Jaqueline, bem, não
importa, dizia, pombas, Jaque, o barato é exatamente o fedor, digo, cheirinho, quanto
mais melhor, sabe no que mais me amarro? me amarro mesmo é num subaco, é o
subaco que traduz verdadeiramente a alma duma mulher, é o subaco que guarda, e
esconde, a genuína história duma mulher, prendo os dois braços dela acima da
cabeça, expondo as duas axilas e lambendo daquele perfume animal meio acre,
primitivo, odor que se fixa ao nariz e boca e queixo e mãos, que me faz me
sentir macho e humano, membro duma raça, parte duma tribo, conectado a uma
terra, por acaso leu A insustentável l. do
s. do Kundera? Provavelmente não, né? Mas aposto que viu o filme. Bem, o
filme não vi, não assisto filmes derivados de grandes romances, são atentados
literários, mas uma das partes mais comoventes do livro é quando o narrador diz
que, quanto mais pesado é o nosso fardo, mais próxima da terra fica nossa vida,
é ou não é sublime? duvido que um filme, qualquer que seja, possa nos carregar
a esse tipo de êxtase, viu que os aiatolás agora deram de perseguir os cães?
dizem que os bichos são impuros, por Alá! Proibiram motoristas de andar com
cachorros em automóveis, o infrator está sujeito a pegar cana, é esse tipo de
gente que tenta nos ensinar que a vida é um sacrifício, que precisamos nos preparar
para ela, vida, nos escoimar das nossas impurezas, nos afogar, senão na água,
por boa vontade, no sangue... tô meio elétrico esta noite. Às vezes penso
vislumbrar uma certa boa-vontade aí do lado da senhorita. Com todo respeito,
por certo. Não pretendo abusar de sua hospitalidade, me deixando teclar essa
bobajada aqui no seu perfil quando me dá na telha, o que deve ser deveras
aborrecido, vira e mexe abrir o face e dar de cara cum infeliz metido a
pensador a destilar uma arenga infinda sobre o tudo e o nada como se fora
sobrinho do Jean Paul, eu no seu lugar já teria me vetado, não sei como tolera,
mas assim vou indo enquanto não me interditam, sabe o que tinha em mente quanto
comecei a escrever este recadinho? Não? Então lhe vou contar: vim aqui escrever
porque fiquei impressionadíssimo cuma foto que vi hoje no google com o Sinatra
e Mrs. Jackie Kennedy e então me lembrei também que ontem quando comentei sobre
a piramidal Novak e aquela patota que flanava em torno do Kennedy, Sinatra,
Lawford, Angie Dickenson, que também rodava de mão em mão, e até o canastraço
Dean Martin e o novo branco Sammy Davis Jr., me ocorreu a dúvida, será que o
Sinatra e cia. ilimitada também traçava a estupendamente donairosa Jackie?
Traçava, claro. Por que não haveria? A maior prova é que depois ela se vendeu
ao anão caquético Onassis, podre de rico e de otras cositas mais. Não estou
fazendo nenhum julgamento moralista, longe de mim qualquer pudicícia imbecil,
só lembrei, ah quanta coisa lembro, do frisson desse e outros causos em nossas
vidinhas operárias dos anos 1960, e pensar que não mudamos porra nenhuma ever
since.
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