Em geral não dou
pelota para o que possam pensar de mim. Tanto é assim, que vou derrubando
pontes como se fora um esquadrão da Luftwaffe durante um ataque a Londres numa
noite de 1942. (Diacho, minhas analogias vão piorando a olhos vistos.) Mas a
ideia é essa. Nunca deixo um relacionamento enraizar. Se relacionar dá muito
trabalho e sou preguiçoso quase mórbido. Digo, preguiçoso quanto ao outro.
Quanto a mim, sou altamente diligente e zeloso.
É por isso que me
animei com as formas de relacionamentos digitais. Dependendo do caso, um bom
relacionamento online pode ser a salvação da lavoura. Você fala à hora que
quer, responde quando bem entende ou simplesmente não dá pelota, como muitas
pessoas costumam fazer hoje em dia. Eis onde reside a delícia da “coisa”.
O melhor, porém, é que
um relacionamento à distância nos poupa do padecimento de ter de tolerar as
particularidades físicas do outro. Quando digo físicas, não me refiro apenas às
sexuais. (Que, por sua vez, podem ser mortais. Ou não, também dependendo.) Me
refiro, sim, a tudo que constitui o outro, sua história, sua geografia, sua
descendência. Tenho essa teoria, digamos, esdrúxula de que as pessoas se
aceitam facilmente demais. Inclusive na conduta física. É mais ou menos como uma
ausência de autocrítica, mas levada ao extremo. Paradoxalmente, as pessoas
gastam tempo demais se olhando no espelho, mas pelos motivos errados, e fecham
os olhos exatamente para o que, aos olhos do outro, é mais evidente. Quando
digo “as pessoas” me refiro à maioria, naturalmente. O que não é o nosso caso,
obviamente. A senhorita, por vários motivos. Eu, por um monte de razões.
Nesse departamento de
peculiaridades físicas que me causam espécie (ainda sob o domínio de Machado),
uma das que mais me irritam é como o sorriso cai mal para certas pessoas. já
reparou? Acho que também neste caso são a maioria. É uma gente que fica bem
melhor séria que rindo. A dentição, pra começar, já pode ser um agravante
(sempre dependendo). E a boca, por ser o órgão pelo qual rimos, comemos,
vomitamos e liberamos aboborinhas, é demasiado ambígua pro meu pobre gosto. E
em muitas pessoas o (sor)riso muitas vezes assume um jeitão de esgar que me
deixa em dúvida se o dono ou a dona não está de fato chorando. Isso sem dizer que
se sorri com muita facilidade mundo afora. Quase todo mundo hoje vive pra lá e
pra cá com os dentões à mostra a irradiar uma simpatia autopromocional e
calhorda própria dos que se acham na obrigação de seduzir como se estivessem em
campanha permanente para O Sujeito Mais Boa-Praça da Praça. Nunca fui bom em fazer
manutenção de fachadas. A superfície me confunde. A fundura é meu habitat.
Estou sendo sincero
quando digo que em geral não dou pelota para o que possam pensar de mim. Sou
muito bem capaz de suportar crítica, ironia, zombaria e até vaia. Não é raro
acontecer. Tanto na vida “lá fora” quanto aqui na internet. É que me exponho e
fico então sujeito. Não dou bola para o que chamam de compostura por aí. Os
cultores da compostura em geral são os que vivem em seus cantinhos de rabo
entre as pernas, temerosos de abrir a boca, dizer o que pensam. E abrir o
coração. Pouca coisa me faz mais mal que a dissimulação.
Tolero crítica mas não
reajo muito bem se me chamam de chato. Provavelmente porque sou.
Reli hoje o que lhe escrevi
ontem e, cruzes, que monumental chatice. Como disse, me bloquearia do meu face.
E entrar no face duma
mulher e fazer comentários sobre outras, mesmo que adolescente, carácoles! que
coisa adolescente.
A propósito, hoje, lá
pelas seis e meia da matina, saio pra dar um giro pelas redondezas. Faço isso
quase todas as manhãs, antes de cair na cama. Pois é, em geral minha vigília é
noturna. Estou dobrando a esquina, cabisbaixo (mas não humilde, não gosto de
gente humilde), às voltas com uma multidão desses pensamentos que estão sempre
disputando um lugar ao sol na minha consciência, quando uma vozinha feminina
exclama “Oi!” bem ao meu lado. Acordo do meu devaneio, olho. Um sorriso se abre
na minha boca à minha revelia. Para fazer jus às minhas próprias teorias, evito
sorrir sempre que posso mas tem hora que não logro me conter. É ela — a
adolescente que ontem passou por mim no portão da escola e que meu vizinho Eme
transporta todos os dias úteis até em casa. É ela seguindo na mesma direção que
eu. Respondo de volta (!) com um “Oi!” sobre-excitado e deixo que me ultrapasse
com seus passos mais acelerados. Meus olhos a seguem, meus instintos de macho
fazem os devidos cálculos, meu “coração” pesa e sopesa as respectivas
fantasias. Bem, vou lhe poupar dos detalhes mais inconvenientes do resultado da
aferição. Pode me chamar do que for, menos de cafajeste. Ontem, enquanto lhe
escrevia a este respeito, pensei, vou ler o livro do Nabokov, a literatura
sempre me proporciona algum bálsamo nessas horas. E acabei esquecendo. Quando
menos, o livro nos ajuda a manter em mente que se entregar ingenuamente a
fantasias desvairadas pode ter consequências funestas na nossa realidade.
Paro, olho pra outro
lado. Tantas vezes já caí na asneira de me apaixonar por ninfetas. É um dos
mais dolorosos martírios que vêm atazanando a vida dos machos nos últimos
milênios da civilização. Meu vizinho Eme me deu um ultimato, quer que eu
responda hoje sem falta se aceito o emprego de motorista de van de transporte
escolar. Sei lá, acho que vou aceitar,
que é que a senhorita acha?
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