Olhar as coisas como se fosse a primeira
vez. A natureza nos faz não olhadores mas acostumadores. Nascemos e vamos
crescendo olhando ainda sem a capacidade da compreensão. Quando aprendemos a
compreender já é tarde, estamos acostumados. Nosso olhar está viciado, viciando
também e embotando o que já nem compreensão mais é, mas mera
repetição. Nos viciamos em confirmar, enterrando nossas dúvidas sob o vício. Olhamos
cegos, percepção adormecida, inscientes da contradição. Quando as contradições
começam, cedo em nossa consciência, seu desfile perante nosso olhar opaco, dói,
nossa compreensão reprimida não pôde alcançar a aceitação da dor, que lateja
insentida e nos faz sofredores insensíveis. Quando a dor ultrapassa o limite da
tolerância e nos arranca da apatia enfermiça, nos forçando a reconhecê-la, nos
proclamamos heroicos. Nos vemos capazes de subjugar os defeitos da vida. Nos forjamos
vencedores – vencemos a batalha contra o inimigo cujo cadáver não vemos. Combatemos
a batalha errada contra o inimigo errado e batemos no peito, do qual liberamos
o urro glorioso da vitória fictícia. A natureza, nossa ama, mãe e madrasta, carrasca
e confortadora nos faz tremulamente serenos no jardim florido e perfumado por
onde espalha armadilhas disfarçadas de espelhos mágicos. A natureza nos cria para
o malogro da morte, plantando em nosso coração a justiça impossível do
universo.
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