Domingo cedo, oito no máximo, mamãe entuchava na
caçarola o frango com farofa preparado na tarde anterior e lá nos íamos para o
clube de campo nos confins de Santo André, do qual papai era sócio. Escrevendo agora,
preciso me esforçar para não circundar cada palavra c’um par de aspas. Outro escritor
talvez se perguntasse por quê. Quanto a mim, não vejo razão para me perguntar o
que quer que seja.
Era uma viagem relativamente curta, primeiro no
DKW cinza e branco 1961, depois no DKV azul marinho 1966, papai ao volante, mamãe
do lado, eu e a mana mudos e indiferentes um ao outro no banco traseiro. Em geral
levávamos de gaiato um primo ou uma prima que não tenho vontade de nomear – o primo,
o odiava; a prima, a desprezava, sentimentos que mais tarde, adulto, descobri ocupavam
lugar imenso em meu relicário emocional e com o tempo se mostrariam preponderantes em minha visão das coisas.
Foi numa dessas excursões domingueiras – que, como
também viria a descobrir tempos depois, sempre se revertiam em incursões para
dentro de mim mesmo – que escutei pela segunda vez A Day in the Life no rádio do DKW azul marinho e resolvi que seria
o fã número um dos Beatles por toda a vida.
Papai mostrava a carteira de sócio na portaria e
avançávamos uns quilômetros adentro pelo parque. DKW estacionado, nos embrenhávamos
na Mata Atlântica até encontrar um dos inúmeros conjuntos de mesa e bancos
destinados aos farofeiros. Mamãe retirava as tralhas da grande sacola e
repartia o frango entre todos. Eu indefectivelmente preferia uma coxa. Reclamava
que não queria a farofa mas ela infalivelmente se fazia de surda aos
meus rogos. A mana aceitava tudo que se lhe ofereciam, desde que em modos polidos, e se preserva assim ainda hoje.
Findo o repasto, nos defrontávamos com as pouquíssimas
opções disponíveis. Se mamãe tivesse providenciado nossos exames médicos, poderíamos
dar um mergulho na piscina olímpica do clube, mas ela jamais quis se dar o
trabalho, por mais aplicada que fosse na execução de seus próprios afazeres. A partir da segunda visita ao clube fui obrigado
a me conformar amargamente que um reles banho de piscina não era pro bico duma
prole de pais e mães relapsos.
A essa altura papai já tomara o rumo da pista de
boccia, provavelmente o único esporte
que praticou em toda sua vida. Me lembro duma feita em que, depois de bater o pé
até vencê-lo pela exaustão, o convenci a me levar a uma das quadras de basquete
e, em lá chegando, requisitar uma bola mediante a entrega de sua carteira de
identidade. Depois de três ou quatro arremessos ao cesto sob o olhar enfastiado
dele, enjoei e voltamos à nossa mesa dos farofeiros.
Duas da tarde, hora de puxar o carro. Reassumimos
nossas posições familiares nos bancos do DKW e retornei para casa com A Day in the Life martelando quietamente
na cabeça.
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