Me curvo à cidade e seus habitantes.
A cidade é espetacular em sua arquitetura a
escrever a vida cotidiana de seus habitantes, seus habitantes ostentam, para
quem quiser se dar o trabalho de enxergar, a história de sua luta e suas
aflições nas rugas do cenho.
Se não fosse dotado deste pudor que sempre me
impediu de franzir o rosto de volta, me faria abobalhado ante este espetáculo. Sou,
não estou certo se infelizmente apenas para mim mesmo, um documento vivo. Neste
instante, e em todos os instantes em que fui capaz de não me autossubornar com
necessidades baratas como carência afetiva e afeto, tenho esta capacidade de me
colocar fora da farsa. Se tal capacidade se revertesse em mágica, poderia,
acho, sair voando por sobre os cabos estendidos tibiamente entre os postes da
rua.
O humano me desumaniza, olho para a outra
calçada receando que um desses possantes que atravancam o trânsito poderia me
atropelar apenas para que minha teoria restasse comprovada.
Enquanto subo, dobro esquinas, desço, estaco nos
faróis e olho para os lados antes de atravessar, vou me entrevistando. Cada
pergunta, invariavelmente, suscita resposta impossível. As sei de cor e as
respostas que não ouso me dar também. Ainda assim não sei reagir a cada uma
senão com desconcerto. A algumas mais dolorosas, com genuíno espanto. Ao fim da
entrevista que nunca tem fim a conclusão é sempre a mesma: não sei nada.
Passo diante dum colégio, hora da saída da
gurizada. É um pequeno rebanho de pequenos seres cobertos de calças escuras e
camisas claras. Me ponho ante cada menino e cada menina e, microfone em punho,
enceno a mesma entrevista que se repete desde os tempos em que também trajei um
uniforme, compenetrado em meu papel de perpetuador da disciplina que mantém a
cidade em pé e dos preceitos, da alienação e da preguiça que perpetuam e
reciclam nosso desamparo.
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