Como vai?
Cacete, não gosto, nunca gostei de
perguntar a alguém como vai.
Tenho vívido cá comigo desde sei lá
quando que nós pessoas não nos devíamos dar a tais demonstrações de adulação
gratuita.
Achava — e ainda acho, mas tive de me
dobrar ao espetacular teatro que me fizeram engolir logo cedo — que essa
pergunta era absolutamente particular. E que nada impedia o distinto ou a
distinta de expressar seu verdadeiro estado de espírito. E que ao perguntador
não devia ser dado o direito de se escandalizar se o perguntado respondesse “Vou
mal pra caralho, porra!”.
Posso fazer outra pergunta?
Obrigado.
Por que o sobrenome agora é obrigatório?
Não, não me responda, peço.
Quero saber e não quero.
E essa botina poderosa aí. É de militar?
Estou sendo demasiado intrusivo?
Estou, sei.
Detesto intrusivos.
Mas quando me embebedo fico e adoro
xeretar.
Queria perguntar outras coisas.
Vou parar por aqui.
Tenho medo de me mandar cuidar da minha
vida.
Mas gostaria de receber uma resposta do
tipo.
Sou muito intrometido.
Tem hora, me acho insuportável.
Que é que taux fazendo aqui às dez da
noite despejando a uma desconhecida tamanho lodaçal de bobagens?
Amanhã vou me arrepender.
Toda manhã me arrependo das asneiras que
fiz na noite anterior.
Tenho esse recurso de retroalimentação
hipertrofiado.
Na hora, a cabeçorra entupida de vapores
etílicos, digo, fôdasse.
Gosto de dizer fôdasse, mesmo quando
estou sóbrio, o que é raro.
Aí, no alto da madruga, começo a acordar
meio sonhando meio vígil, me lembrando das cagadas e vou ficando envergonhado e
perco o sono e tenho gana de me morder de raiva e arrependimento.
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