Rosa, oh
pura contradição, desejo,
Ser de
ninguém o sono sob tantas
Pálpebras.
Rilke
Porra, olha, não é desculpa, não. Tudo bem que me cago de medo,
nunca disse que sou valente nem tenho por que dizer tamanha mentira, e sei que
a maioria de vocês está esperando ansiosamente que eu explore a “vertente” de
namorar, transar, ter um caso ou sei lá que raio se passa entre mim e essa
menina de 16 anos.
Digamos que, antes de tudo, Soninha é uma flor silvestre nascida
acidentalmente no concreto do meu coração tomado de gretas. Imagem batida, sei.
Mas estou aqui não para obrar uma peça literária mendigando que acadêmicos e
fariseus metidos a críticos me concedam um elogio mas para relatar o que está
acontecendo comigo para assim tentar discernir uma senda minimamente segura sob
a neblina da Serra do Mar que ocupa meu cérebro desde aquele dia em que desci a
Anchieta com papai.
Senda minimamente segura, eu disse? Sim. Para ir aonde, não sei.
Não quero ir a lugar algum. Muito menos numa senda.
Vou quebrar outro tabu pessoal: Soninha é energia. Esticando um
pouco mais a analogia acima, e que está igualmente batida mas nem por isso
menos válida, a primeira vez que vi sua buceta me lembrei duma rosa de raras
pétalas com a fragrância da virgindade, embora ela tivesse perdido o cabaço ao
12, segundo me garantiu.
(Às leitoras mulheres, peço que não me exijam que diga “vagina”.
As feministas têm razão: homens se intimidam com o termo técnico, precisam
desmerecer o órgão feminino, não toleram a conexão quase automática com a mãe.
Para mim, é mais repugnante que “buceta” (também não me peçam para explicar por
quê; nunca neguei que tenho meus limites). Além do mais, a própria Sô se irrita
com “vagina”. Outro dia, durante uma conversa sobre infecções genitais,
mencionei o termo e ela franziu a testa e disse que não queria que o usasse
mais. E tampouco me agrada “bucetinha”. Uma que a buceta de Soninha é tão
madura e “vivida” como a de qualquer mulher de, digamos, 40 anos, e o
diminutivo definitivamente não lhe cai bem quando incha de volúpia. Outra que,
ao contrário da buceta duma mulher de 40 anos, mantém aquela elegante
resiliência própria apenas das teens. Além do mais de novo, não sou fã
incondicional de bucetas, pintos, cus ou qualquer outro órgão de funcionalidade
ambígua pelo qual minha apreciação ou nojo sempre depende da função em uso. A
natureza ter associado com tamanha proximidade e intimidade o mister
reprodutivo e a escatologia será sempre um mistério para mim. Há quem enxergue
beleza exatamente nessa “contradição”. Eu mesmo já enxerguei, embora faça tanto
tempo, que nem me lembro quando nem o que me rondava meus sempre distorcidos
pensamentos na época. E ser capaz de reconhecer esse tipo de
beleza requer uma boa dose de poder de abstração — o que não é muito pertinente
quando um homem quer comer uma mulher. Por isso gostamos de termos como “comer”.
Queremos saciar a fome, como é mais que óbvio. De preferência, capturando a
presa, subjugando, devorando, lambendo os beiços, proclamando sem pejo nossa
mais grotesca animalidade. O que, numa época em que uma mulher tem a
prerrogativa de acusar seu marido de estuprador se ele for algo mais abusado, é
virtualmente impossível. Estamos caminhando para a emasculação.
Sílvia só faltava dizer que “copular” comigo lhe dava engulhos. A
primeira e única vez que lhe disse “buceta” na cama, ela me empurrou ríspida,
deixando as mãos cair em sinal de desprezo, se levantando da cama incontinênti,
acendendo a luz e me passando um sermão que lera em algum lugar sobre a associação
entre a depressão feminina e a frigidez pelo fato de que ambas derivam da
fatalidade biológica da vagina por ser o receptáculo da ansiedade da
morte, a qual impede as respostas sexuais na parte vaginal do órgão da mulher.
Seria supérfluo acrescentar que esse episódio imediatamente entrou para a
mixórdia de causas e fatores que levaram à minha brochice, a partir do qual não
fui mais capaz de associar amor e tesão.
Depois que perdi Sílvia e conheci Soninha sempre me pergunto em
tom de monólogo: quem você preferia comer — a que corre ao banheiro depois do “coito”
para se escoimar das secreções do sexo que lhe parecem mais excreções ou a que
suplica em voz de boneca dionisíaca que lhe fodam a buceta e está sempre ávida
por ofertar a você a bundinha de bônus? (Eis o momento em que a cruz da
impotência pesa pra valer.))
Agora me dirijo aos leitores homens, pois gosto de dar uma de
magnânimo quando posso.
Um cara da minha idade manter c'uma menina de 16 anos um relacionamento
de que usufrui proventos quase que estritamente sexuais é, sim, pedofilia. Não
sejamos hipócritas a ponto de negar que uma adolescente dessa idade seja uma
criança. Um pedófilo busca senão explorar seu poder e ascendência sobre uma
criança, escravizando-a ao sabor de suas taras sexuais. Tal como o Lacerda faz
com a filha (no caso, obviamente, c'um ingrediente adicional de sordidez,
baixeza e compulsão a impor a mais asquerosa das humilhações a outro ser
humano).
Não estou dizendo que sempre terei o cuidado de retratar Soninha
sob esse prisma, como dizia meu professor de Geografia. Só faço esta ressalva
agora porque estou me sentindo relativamente lúcido e isso é raro. (Não gosto
de ficar lúcido e não é fricote.) E se você quiser algo mais forte e ousado,
posso lhe sugerir Pierrô da caverna, de Rubem Fonseca, em que um senhor
de 50 anos que narra a história a um gravador é seduzido pela garota de 12 anos Sofia (tal como a personagem de Quincas Borba). O próprio narrador
atesta no conto: “A arte está
cheia de meninas virando a cabeça de homens maduros, a de Malle, a de Nabokov,
a de Kierkegaard, a de Dostoievski. Dostoievski seduziu uma menina de menos de
doze anos e contou para Turgueniev, que não lhe deu importância. Sua culpa está
projetada no Svidrigailov, de Crime e Castigo, e em Stavrogin, de Os Possessos,
ambos pedófilos violadores. Cena do Diário de um Sedutor: a menina desce da
carruagem e deixa aparecer um pedaço da perna e eu, Kierkegaard, me apaixono
avassaladoramente.”
E, sendo um solitário mórbido, não posso me dar o luxo
de dispensar num estalar de dedos um cristo que se disponha a ficar ao meu lado
fechando os olhos para os desvarios que controlam minha cabeça e escutando o
inesgotável lixo mental que flui da minha boca e dos meus dedos.
É praticamente uma via de mão única. Tenho quase todos os
defeitos. Soninha tem quase todas as virtudes.
Tudo bem, ela é ninfomaníaca, não passa um dia sem fornicar com
um, dois ou mais dos frequentadores do buteco, mas, ao contrário do zé-ninguém
médio, que prefere morrer a ser corneado, não dou a mínima. Meu único senão é
que ela tome os devidos cuidados, não estou a fim de pegar gonorreia ou AIDS. E
com o tempo pretendo usar o apetite de sua libido para me vingar duns desafetos
que andei descolando vida afora.
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