Uma vez amei.
Pensei que seria amado.
Mas não fui amado.
Frederick Seidel
A mãe distraída no balcão fritando bife acebolado e servindo pinga
e média e ganhando o pão, papai bolinando o pinto para passar na minha
raspadinha cheia de vida e esperança e amor. A mãe no balcão lava os copos e
cobra zangada a conta dum pinguço enquanto papai unta meu racho com o óleo que
a mãe usa na chapa e enfia o dedo do meio no cuzinho e chucha e tira e me enfia
na boca e me faz lamber e a mãe olha para trás e fixa os olhos nos meus olhos
sorrindo, sorrio de volta, estico os lábios para a frente, mando um beijinho,
chega um freguês pedindo um café, a mãe grita meu nome, levanto a calcinha e
abaixo a saia e vou, volta logo, papai pede enquanto aumenta o volume do som,
bom trabalho, a mãe fecha a gaveta da registradora, volta para a chapa, estou
servindo o café quando me dou conta que esqueci de abaixar o sutiã, os
biquinhos estão espevitados debaixo da camiseta, lembro de olhar as pernas, tem
um rastro de esporra alcançando um joelho, depressa visto o avental, a mãe me
bota nas mãos um prato abarrotado de bife com cebola, mesa oito, a mesa oito é
a dele, bife com cebola seu prato preferido, quando solto o prato ele agarra
minha mão e beija e cheira e me olha perguntando, espera, cochicho, me espera
no banheiro, ele cochicha no meu ouvido “vamos pra minha casa”, pega minha mão
de novo, a mãe chama, puxo, vou ter com ela, vá buscar ovo que acabou, abro a
cortina de plástico, sigo pelo corredor, psiu, papai me chama, ainda não
acabei, vamos para a cama, ele pega minha mão e põe meus dedos em volta do
pinto e puxa minha cabeça e enfia a língua na minha boca e me empurra pra baixo
e enfia o pinto na minha boca dizendo faz assim, é assim que sua mãe gosta,
engole as bolas, igual, cospe, lambe, vamos transar em três, você precisa
engordar um pouco, tá que é só osso, aquele cachorro tá te proibindo de comer,
tá? ói que mando furar ele, sou seu pai, me obedeça, já não mandei usar sutiã
preto, não quero outra cor, assim, engole, bota a língua fora, daqui
mariazinha-sem-vergonha, vermelhinha, baba, rosa molhada, vai na despensa
buscar ovo, diz pra tua mãe que fui botar cerveja no freezer e já vou, não
quero te ver perto daquele cafajeste hoje de novo, olha que ele não dura mais
dois dias, a mãe corre pra lá e pra cá no balcão formigando, quase hora do
almoço, traz a carne, palmito, presunto, pão, istainhéguer, corre menina! frita
este omelete enquanto fateio o pão, aumenta o som aí! quero suar e gritar e
foder e um salame no rabo, da mesa ele me mostra uma folha e abre e fecha a
boca querendo dizer alguma coisa, ver um filme na tevê? tomar banho junto?
lamber chantili no meu saco? A mãe manda fechar a conta da quinze.
Em vez, me manda um beijo.
Geme de loucura e de torpor.
Vamos pra tua casa antes que papai acorde.
Quer falar do Chico, eu não. Esse Chico é uma bicha enrustida
palavrosa se cagando de peitar uma mulher do jeito que ela tem de ser treinada
de gostar. Mulher é potranca pedindo baixinho pra ser domada.
Diz que vai me ensinar a gostar de poesia.
Sabia que as músicas do Chico são poesia?
São? Então não quero aprender poesia.
Até sei o que ele vai responder. Que tenho trauma, preciso tirar
meu trauma da cabeça, reaprender certos valores e o caráleo, acha melhor ir
logo pra tratamento, me paga terapia cum tal de doutor gê, é só deitar num tal
de divã, essa parte achei legal, vou com aquela sainha jeans da Pura Mania que
ele me deu, quem vai levar uma boa terapia no meio das pernas é o doutor tal,
só quero que não seja outro pau d’água, tô cansada de bebum bom de lábia ruim
de cama.
Essa situação com seu pai não pode continuar.
Tá bom pra mim, tá bom pra ele. Qual o drama?
E se engravidar? O filho vai nascer deformado.
Não sou criança, né, benzinho.
E, putz, tem essa questão, como é que posso dizer, vai soar
estranho na minha boca, mas esse papo de pedofilia e incesto é demais mesmo
prum cara aberto que nem eu.
São só dois nomes, benzinho. Já me mostrou no dicionário, tão lá
bonitinhas, nunca tinha ouvido falar, pra
mim não muda nada.
Ele pode ser preso, sabia? Pedofilia e incesto, crime grave. E se
for, não sai vivo. É contra o código de ética dos detentos. Morre em uma
semana.
Vai nada, bobinho. A não ser que alguém conte.
E se contarem?
Ninguém mais sabe.
Dona Juçara sabe.
Sabe mas é como se não soubesse. Se descobrirem, vai ser você.
Ficou dois dias no pronto-socorro. Desacordado.
Isso nunca me aconteceu. Meu fígado é de ferro.
Você anda bebendo muito, amorokê. Tem fígado que aguente não.
Não senhora. Tudo bem, tenho passado da conta. Mas apagar dois
dias inteiros? Caí num boa-noite-cinderela. Foi alguém que sentou na minha mesa
no fim da noite semana passada. Ou será que o uísque já veio batizado lá do
balcão?
Que nada, amoreco. Você tá confuso. Não sentou ninguém.
Quem me trouxe em casa?
Ninguém. Veio sozinho. Ninguém consegue achar o rumo bebaço que
nem você. Sabe andar até dormindo.
Ele coça a cabeça e olha pro teto.
Tá com maus espíritos, benzinho. Precisa exorcizar. E piorou depois que começou
a tomar absinto. Eu avisei. Absinto só moleque. Um cara da tua idade...
Que é que tem minha idade? Tô forte e saudável como nos meus vinte
e cinco.
De corpo, não sei. Mas a cabeça... Bom, chega de papo-furado. Vem
cá que vou te ressuscitar, vem, meu bebezinho maluco.
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