Hamlet caipira


Bem, quinta de manhã, dia e hora de atualizar o diário.
Bati uns seis km de perna hoje. Eu e Zezeí.
Zezeí tá gorda feito uma almôndega cabeluda. Não consigo reduzir a dieta, morro de pena da carinha suplicando mais um, mais um, mais um. Cada dia mais esfomeada. Agora deu de comer cocô na rua. Vocês sabem, Zezeí não usa guia. Vai indo lá na frente farejando cada poça de mijo que encontra, eu atrás, cabisbaixo, remoendo as coisinhas que nasci pra remoer, como gosto de fazer, como gosto de ser, como gosto de rimar.
De repente flagro a diaba mascando, saio correndo mandando largar, ela se escafede engolindo na fuga. Além do cocô, morro de medo de chumbinho, claro. Vi outro dia não lembro onde um vídeo em que um mentecapto dava carne com chumbinho pros bichos da vizinhança. Matou dezenas de cães e gatos. Eu seria capaz de encher um filho da puta desses de porrada, tranquilamente. Idem esses políticos que metem a mão na nossa grana. Queria mesmo era ser carrasco pra executar político ladrão. Não é blague. Executava com gosto. Só um Lamborghini que a PF apreendeu na Casa da Dinda do Collor vale mais de três milhões. O maníaco tem quatorze carrões ao todo, entre eles uma Ferrari de um milhão e um Porsche de 600 mil. Na Suécia deputados e senadores vão de metrô para o trabalho, não têm carros oficiais, motoristas, salário-moradia, salário-guarda-roupa, salário-mordomo. A Suécia de hoje é fruto das carnificinas dos vikings e outras tribos sanguinárias de ontem. Parece que a civilização é um desdobramento de várias etapas de barbárie. Os países mais avançados deixam isso cristalinamente óbvio. A Guerra da Secessão matou 620 mil homens só nas frentes de batalha, 2% da população, hoje equivaleria a 6 milhões. Os recentes protestos dos negros americanos contra assassinatos de sua gente perpetrados pela polícia dá bem uma noção de quão distintas são as reações deles e nossas frente à injustiça. Eles têm centenas de políticos em cana há décadas. Delinquentes tipo Collor e Lulla não escarneceriam das leis como fazem aqui. Não vamos chegar a lugar algum enquanto ficarmos de papo pr’aquele lado que os papos ficam, a assistir a farra dos maganas com nosso sangue. Não há esquerdismo ou direitismo que nos tire deste chove-mas-não-molha. Dizem que Lullinha é um dos nababos mais ricos do País, o que não duvido. Enquanto o povão der poder a larápios como Lulla estaremos fudidos. Todas as demais tragédias que sofremos – bandidagem, hospitais entuchados de gente pelos corredores, doentes esperando três anos por um exame, cadeias repugnantes (que o ilmo. ministro da Justiça qualificou de medievais mas não mexeu um dedinho para corrigir), 55 mil mortes no trânsito a cada ano, professores que levam surras de alunos, universidades federais sem salas de aula – resultam da indigência cultural do povão e da bonomia das classes médias. Segundo a Unicef, 10.500 adolescentes e crianças foram assassinados no Brasil no ano de 2013. A maioria constituída de meninos pobres negros. Em 1990, contavam não mais que 5 mil. Se esses números não servem para demonstrar cabalmente a quem ainda vota no PT o que é a esquerda no poder, então é melhor cometermos um vasto suicídio coletivo de 200 milhões de cegos retardados.
Enquanto isso dondocas e dandizinhos passam as tardes nos portais de relacionamento discutindo as ofensas racistas contra a jornalista da Globo.
A tevê e a internet substituíram a realidade.
Meu estilo lenhador – vocês sabem, barbão comprido e abundante, cabelo curtinho – tem causado frisson nos meus passeios entre... as bichas. Sempre fui assediado por gays mas ultimamente a coisa tá começando a me encher os pacotes. Homossexuais, não sei se todos, são altamente promíscuos e por isso descarados e não se avexam em exibir despudor em público. Como digo, ativistas da própria sexualidade, o que pessoalmente me causa nojo. Para mim e para quem tem um mínimo de educação, sexualidade é assunto privado. Muitos são petulantes e agressivos. Numa época entrava numas, então resolvi pegar leve, esses sujeitos podem se revelar perigosos. Certa feita, três da manhã, entrei alegremente no banheiro público da Praça da República, fui atacado a chacotas e insultos por um bando deles, tive de recuar por um corredor polonês de bichas galhofeiras. Nas ruas, alguns encaram insolentes e insistentes, intimando, querendo confronto. Não tiveram quem lhes ensinasse modos ou não quiseram aprender. A cafajestice é a regra.
Chamo atenção de longe. Não só pelo estilo de derrubador de árvores mas também por esta minha carranca intensa de quem tem substância. Posso ver nos olhares o efeito que provoco. Que seria mais assoberbante se a maioria das pessoas tivesse um mínimo de cultura e sofisticação. Mas dá pro gasto. E não me interessa quem é incapaz de perceber que não está diante de mais um robozinho controlado pelos ditames ideológicos da época e pela propaganda da mídia. É como escrever. Escrevo para quem sabe reconhecer qualidade e identificar literatura. Dia e noite vejo gente perdida entrando em meu blog em busca de pornografia, versinhos açucarados ou piadas de papagaio tipo Verissimo. O crítico Wilson Martins ria gostoso de escritores que se dão demasiada importância. Sim, vaidosos fátuos correm o risco do ridículo. Mas depende. Até hoje escrevi uma quantidade considerável e de nível bom o bastante para não me dar importância. E Martins, qual a maioria dos críticos, vivia enchendo a própria bola, só que indiretamente. Quando faz pouco dos outros, você automaticamente se engrandece, certo? É o que acontece com tudo que todo crítico escreve. Mas faz parte. Vivemos uma batalha interminável do dia em que nascemos ao que damos bye-bye a este vale de etc. É melhor assumir e relaxar em vez de fazer papel de mestre-escola. Como dizia o poeta Joseph Brodsky, uma das características do mal é sua capacidade de se disfarçar de bem. “Você nunca vê o mal chegando e anunciando, ‘Olá, eu sou o mal!’”.
Minha barba fulge ao longe, posso atinar. Além de hirsuta, farta. Quase nívea, como diria a núbil Raquel de Queiroz às voltas com a escritura d’O quinze na fazenda Pici da família no sertão do Ceará nos idos dos 1930.
Sou alvo preferencial não apenas de gays mas também de mulheres. Só que em número deploravelmente menor. Elas olham com discrição, evitando a todo custo encarar. Não querem ser tomadas por prostitutas, perigo que não atemoriza gays. As mais olhudas são as motoristas, da segurança de seus carrões fora do planeta, podem acelerar e sumir no trânsito. Na calçada praticamente nenhuma se atreve, há o risco dum approach que leve a um tête-à-tête e bater em retirada fica mais complicado. Às vezes uma mais assanhada manda uma avalanche de elogios a Zezeí ao invés de mirar o dono, que é avaliado rapidamente de soslaio. Essas aguardam a iniciativa do macho. Aguardam uns segundos e perdem o interesse.
Para minha tristeza, as que parecem mais acessíveis são as que já iniciam sua jornada sem retorno rumo àquele cabo que todas acabam dobrando cedo ou tarde. As senhoras acima dos cinquenta andam pela cidade meio ávidas, é visível. As de carro mais, também nesse caso. Carro é mais ou menos como o computador, o volante e a distância aumentam a confiança. As cinquentonas buscam aventuras outras que não sexuais. Talvez um companheiro, no que não acredito muito. Querem mesmo é comprovar se ainda são desejáveis. Estão plantando verde. Tenho certeza de que dariam no pé se tentasse uma aproximação. Mais que maridos, elas têm filhos. Já adultos, difíceis de enganar. Os maridos, esses são passados pra trás desde sempre.
As da chamada idade da loba, arredores dos 35 carnavais, são as mais comíveis, de mais de um ponto de vista. Se acham nos preparativos para a suprarreferida jornada, a juventude começa a erguer um braço para dar adeus mas ainda hesita. São as mais comíveis porque atravessam o clímax da vida no que têm de animal, a vitalidade plena, a sexual, aquela transição entre a inocência da alvorada e a experiência do crepúsculo. Sei, experiência própria, que é a etapa em que se encostam na parede e dão a si mesmas a chance do agora ou nunca. Me pergunto, quem sofre mais com a degenerescência etária, a mulher ou o homem? É forte a tentação de dar palpite mas me abstenho para não ser ainda mais frívolo do que sou. Estava lendo hoje o blog dum tal de Leandro Narloch na Veja Online e o rapaz tentava fazer pilhéria perguntando por que as feministas não lutam também pela igualdade numérica de gênero nas prisões brasileiras. Quer dizer, para esse cara a ambição das mulheres em participar igualitariamente do mercado de trabalho, dos parlamentos e outras instâncias da vida civil seria mais ou menos o mesmo que querer ser encarcerado numa das medonhas masmorras do sistema prisional brasileiro. Os leitores do sujeito entraram em êxtase, naturalmente, dizendo que ele estava sendo “lógico”. Alguns dos meus leitores me acham obsessivo porque volta e meia retomo os mesmos assuntos, mas eis por que vivo caindo de pau na maioria dos blogueiros dos grandes veículos de comunicação. Quase todos eles escrevem o que seus leitores esperam que escrevam e a isso denominam “lógica”. Não há pensamento legitimamente criativo ou inovador mas meramente a expressão dos pré-conceitos usuais no pedaço. A velha repetição de sempre para manter alimentada a macacada de auditório. Tive ímpeto de fazer um comentário e contraditar o blogueiro mas, ainda bem, me contive. Não quero mais entrar numas, como disse acima. Só serve pra te desgastar. Já faz algum tempo que não comento blogs e fóruns por aí e pretendo continuar no meu low profile. Podia usar um nick mas a troco de quê? E não quero mais ver meu nome misturado ao da manada que comenta esses blogueiros pagos para engordar as contas do patrão.
O bom mesmo nas ruas são os brotos. Algumas lolitas de doze são deliciosas. Heróis trágicos de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan namoram ninfetas tenras assim. Quanto a mim, sou um pouco mais convencional. A minha, Soninha, tem já dezesseis, pelo menos passou, ou está passando, a adolescência. Dolores, a lolita de Nabokov, também tem doze. Como disse alhures, não li Lolita, nunca tive vontade e perdi definitivamente o interesse depois que vi o filme, o primeiro, de Kubrick, com a personificação da inveja e cansativo James Mason e o fabuloso Peter Sellers como Clare Quilty. A segunda versão, com o tarado Jeremy Irons e a insossa Melanie Griffith, nem sonhei assistir. E depois que conheci o desprezo enojado de Otto Maria Carpeaux pelo livro de Nabokov, encerrei de vez esse departamento. Carpeaux também bota no devido lugar secundário o universalmente incensado Apanhador no campo de centeio, de Salinger. É a diferença entre o verdadeiro erudito e o crítico de orelhas de livro.
Ah, brotos que não voltam mais. O império dos hormônios que causam estragos traumáticos nos circunstantes à medida que desfilam pra cima e pra baixo com seu diabólico fito. Hormônios que acordam hormônios. A irresistível fertilidade que todos existimos para cumprir, indiferentes às conveniências do pensamento em moda. Ah, brotos e sua frieza olímpica, o menoscabo ferino pelas reações que elas próprias arrancam dos cães de línguas de fora. Quão iníqua parece ao esfomeado a visão da fartura.

Como se chamam hoje? Cocotinhas teve vida efêmera nos idos dos setenta/oitenta. Meu ouvido para o coloquial anda desatualizado. Sinto falta da orkut e suas comunidades com alto teor de sinceridade em que podia detectar e aprender os novos rumos do jargão da molecada. Um escritor desfalcado do vigor do informal acaba virando um José Lins do Rego ou, para os vivos, um Ignácio de Loyola Brandão. Quais são os melhores fóruns hoje para investigações linguístico-sintáticas e atualização da gíria? Cartas para a redação, s’il te plaît.