É ter um segredo pra contar.
Ter mas na maior parte do tempo não saber. Às vezes
lembrar ter. Mas quando lembrar ter, lembrar ter muito raramente demais.
Na maior parte das vezes, lembrar ter mas não saber
onde está.
Quando lembrar ter sem saber onde está, lembrar ter
muito vagamente demais.
Quase uma sensação. Dorzinha domingueira de tão
infinda e insentida.
Pulguinha infecta no sapato.
Pedrinha insondável atrás da orelha.
Mas um dia lembrando ter mais que vagamente e
sabendo onde está, não interessar mais.
Pois que cansa. Como não haveria de cansar?
Saber permanentemente não lembrar ter e quando
lembrar ter não saber onde está e quando saber onde está não querer mais saber?
Mas em algumas ocasiões raras, raras de rir, de
querer desistir duma vez, vir tudo de supetão, com clareza totalitária de não
esquecer nunca.
Na maioria das vezes clareza remota que atordoa e
abre caminho de volta para o estado normal de fantasma sem pátria.
Mas outras vezes em que lembrar ter e saber onde
está e for importante saber e a lembrança não devastar as pequenas sombras que
todos – todos – temos e temos de ter, nessas mais que raríssimas vezes ali
está: o segredo pra contar.
Segredo pra contar que na maior parte das vezes em que
lembrar ter e saber onde está e for importante saber e a luz não devastar as
pequenas sombras não há como abrir.
Segredo pra contar que nessas vezes parece portátil – quase
que dá para roubar e sair correndo feito saci pererê... não fosse dum chumbo
especial mais pesado que o braço lasso na barriga cansado de bracejar.
Câmara de outras lembranças sem frente, traseira
nem lados ecoando na minha Via Láctea. Esmagadora mas invisível – a me
assombrar nesta terra em que tudo me assombra.
Mas em todas as vezes – repitamos –
todas as vezes, sem porta.
Então descobrir que tudo se resumia a lembrar ter e
saber onde está e ser importante saber e a lembrança não te devastar tuas
pequenas sombras.
Isto é escrever.
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