O segurador de tetas



Literalidades

O telefone toca.
— Alô.
— Alô. É sobre o anúncio.
— Pois não. Pode falar.
— É o senhor mesmo o Segurador?
— Em pessoa.
— Quanto tá saindo uma seguração?
— Depende. Oferecemos vários pacotes. O número é padrão ou...?
— Na verdade, não é pra mim.
— A, sei. Fazendo cobertura pr'uma amiga...
— Que nada. É pra minha filha.
— A, tadinha da fofa. Que idade?
— Treze aninhos.
— Número?
— Trinta e oito.
— Um, vejamos... Treze aninhos, trinta e oito... um... posso deixar por duzentos.
— Tudo isso? Que absurdo!
— E olha que estamos em promoção. Normal seria trezentos e vinte.
— Onde vamos parar com essa carestia, meu-deus? Tem como fazer um abatimento?
— Pra tudo há um jeito, amiga freguesa. Um fator que posso levar em conta é o potencial. Sabe como é, essa idade, esse tamanho. Também precisamos avaliar os antecedentes, claro. Como é árvore genealógica da diaba?
— Bom, varia, o senhor sabe.
— Sei, freguesinha. Qual foi o valor máximo?
— Cinquenta e seis.
— Não!
— Sim.
— Pois é como eu dizia. Tendo potencial, podemos melhorar o preço. Mas só posso dizer na hora.
— E se eu também participar da sessão?
— Era exatamente o que eu ia perguntar. Qual é o seu número?
— Quarenta e seis.
— Idade?
— Trinta e nove.
— Tá zerado.
— Como assim, zerado?
— Na sua faixa etária e faixa dimensional, geralmente pago duzentos. Entendeu?
— Quer dizer que, quanto mais velha e maior número, mais barato?
— Bom, nem sempre funciona de forma tão mecânica. Tem umas variáveis. Por exemplo, se trouxer sua mãe...
— Infelizmente mamãe morreu há alguns anos.
— Lamento. Qual era o tamanho da falecida, só por curiosidade.
— Quarenta e seis também, acho.
— Sangue forte na família, hein?
— Mas tenho uma amiga japonesa.
— Sei não. As orientais geralmente não têm nada. Quando têm, são tititicas.
— Essa minha amiga, não. Usa quarenta e quatro.
— Opa! Aí é outro papo. Japa-quarenta-e-quatro, espécime raro.
— Nesse caso, quanto ficaria?
— Cinquentão.
— Ué, só isso?
— Bom, dependendo do exame visual, posso melhorar a oferta. Mas não prometo nada.
— Tenho também uma vizinha interessada.
— A coisa anda farta aí do teu lado, hein, neném? Qual o número?
— Cinquenta e dois.
— Aí já é demais. Você já pegou um cinquenta-e-dois nas mãos?
— Pegar, não. Mas já vi, claro.
— Au naturel?
— Au naturel, não. Só vestidos.
— Então não viu nada. A roupa engana muito. Um cinquenta-e-dois-au-naturel é coisa de profissional. Amarcord pra cima. Cansa que é uma tristeza.
— Em todo caso, quanto ficaria?
— Uns quinze mirréis. Já descontado o peso.
— Bom, e o pacote todo?
— Um, deixa eu calcular. Só um minuto... trinta-e-oito, treze anos, máximo cinquenta-e-seis, mãezinha caridosa... avó empacotou... quarenta... vizinha raçuda... um... Bem, no plano básico, cento e trinta. Se trouxer outro quarenta-e-seis, fecho por vinte. E ainda devolvo cenzão. Conhece algum outro quarenta-e-seis?
— Tenho uma prima do interior, que não vejo há uns anos.
— Um, prima-do-interior-quarenta-e-seis é caso muito especial. Especialérrimo.
— Aumenta o preço?
— Pelo contrário. Dou desconto. Belo dum desconto. Não vê há quantos anos exatamente?
— Uns três. Ou cinco. Sei lá.
— O cabelinho. Como era o cabelinho?
— Naquela época era curtinho. Bem curtinho.
— Castanhozinho?
— Isso. Castanhozinho.
— Sei não. Acho que aí já é demais. Ai que perigo!
— E a seguração, como é? Coletiva? Individual?
— Individual obviamente não, framboesinha. Damos os descontos referidos exatamente pela sessão em grupo.
— Mas eu e minha filha assim, juntas... Não vai pegar mal?
— Muito pelo contrário. Fica uma belezura.
— E sutiã? Faz diferença usar sutiã?
— Jamais diga essa palavra assim, minha flor. É “sutiãzinho”. Sempre no diminutivo. A não ser que você fale em francês. Assim: “soutien”. Mas duvido que consiga. Por isso, o referido deve ser... Pensando melhor, diga “sussuzinho”. Nosso inspetor fica desapontado... pior, decepcionado quando ouve essa palavra que você acabou de dizer. Geralmente aplica uma multa. Nem vou dizer qual, pra não te assustar.
— E a cor do suti... digo, do sussuzinho? Tem alguma recomendação?
— Naturalmente, minha linda. Afinal, somos profissionais, não somos? As cores devem ser as tradicionais: brancão, pretejudo, transparentinho-ui! azulão-marinheirinho-ai! Só não me venha com invencionices. Amarelo, roxo, verde, essas coisas extravagantes. Uma copa de cada cor então, nem pensar. Ouviu? Nem pensar!
— Outra perguntinha. Não gosto de balangação. Pode ser sem?
— Balangação não é com meu departamento. Vou passar para o responsável pelos Eventos Sinergéticos. Queira aguardar um minuto na linha, sim?
— Pois não.
— Alô. Eventos Sinergéticos. Geraldo falando. Às suas ordens.
— Ué, seu Geraldo. O senhor fala igualzinho o outro rapaz que me atendeu.
— Falo igualzinho porque sou o mesmo, chuchu. Não estamos em condições de aumentar o quadro de pessoal. Também, com essas práticas comerciais que adotamos, não é pra menos, hein? Hehehe. Cá entre nós, o que salva esta empresa é que sou um sujeito eclético. Sei operar em praticamente todas as funções. Exerço até aquele cargo você-sabe-qual.
— Não sei não, seu Geraldo. A que cargo o senhor se refere?
— Àquele.
— Qual, homem?
— Experimentador, ora! Experimentador Geral.
— Bom, seu Geraldo. Eu estava perguntando sobre balangação. Queria...
— Só um minutinho. Vou passar para o Experimentador Geral. Pode aguardar na linha?
— Posso.
— Alô. Experimentador Geral falando.
— Seu Experimentador, é o seguinte. Faz meia-hora que estou tentando obter uma informação simples e objetiva, mas seus atendentes só me enrolam.
— Peraí, minha ninfa. Te enrolam como? Tem de ser mais específica. Não pode ir acusando assim a torto e direito.
— Bom, como poderia explicar...?
— Deixa eu te ajudar. Afinal, é pra isso que estamos aqui, não é mesmo? Pois bem. É pros dois lados que eles fazem?
— Um... Sim. Acho que sim.
— E pra cima?
— Um-um.
— Pra baixo?
— Também.
— Puxam pelo biquinho?
— Na verdade, só às vezes.
— E apalpação? Tem apalpação?
— Olha, já que perguntou, tem.
— Um. O caso é sério. Muito sério.
— O que é que eu faço, seu Experimentador?
— São os dois biquinhos ou só unzinho?
— Os dois.
— Duma vez?
— Às vezes, sim. Outras não. Ora é um, depois o outro.
— Ai, que falta de uniformidade, minha cruelzinha! Alternada ou sincronicamente?
— Dos dois jeitos.
— Um. A coisa tá braba. Muito braba.
— Ai, seu Experimentador! Diz logo o que é que eu faço?
— Vou ter de pedir a intervenção do Superintendente. Você pode esperar um pouquinho?
— Posso.
— Alô. Superintendente a seu dispor.
— Seu Superintendente, já não era sem tempo. Afinal, pode ser sem balangação ou não?
— Só sobre meu cadáver! Digo, de jeito nenhum. Somos uma firma séria. Se você quer perversão, procure outro. O jornal está cheio de anúncios. Aliás, chega de negociação. Vou passar para o Segurador. A senhora pode aguardar na linha?
— Já esperei até agora...
— Alô. Segurador falando. Ei, benzinho, você precisa tomar mais cuidado. O Experimentador ficou pê da vida com esse teu papo. Olha, da próxima vez vai ser difícil conter o homem. Fique sabendo.
— Desculpe, seu Segurador. Hehehe, é que sempre fui muito ingênua.
— A, ingenuazinha, é? Então, mais um desconto de trinta.
— Bom, seu Segurador. Agora, aquela pergunta...
— Qual pergunta, minha santa?
— Aquela, Segurador.
— Pode perguntar, que a fortaleza aqui resiste a qualquer furacão, meu anjo.
— É sobre a chupação...
— Que é que tem ela?
— Pode ser sem?
— Claro, delírio. Topamos qualquer negócio.
— Nadinha?
— Nem chupação, nem chupaçãozinha, nem chupadinha, nem nada.
— É que é a primeira vez...
— A, nesse caso, não cobramos coisa alguma. E damos um presentinho. Um mimozinho, sabe como é. Independente da configuração. Independente da inspeção. Independente da balangação. Independente da chupação. Se fechar o negócio agora, então, ai, meu-deus, desembolso quinhentão! 
— E o senhor facilita?
— Claro, taradinha. Facilitamos tudo. Tudinho.
— E da nossa parte? Que é que nós freguesas fazemos durante a sessão?
— Nada, abençoadinha. Absolutamente nada.
— O senhor está querendo dizer que ficamos lá paradinhas sem mexer um...
— ...musculozinho. É exatamente isso que estou querendo dizer.
— Não precisamos segurar alguma coisa?
— Em geral, não. Salvo se assinarem um contrato se responsabilizando por um eventual AVC.
— AVC?
— Acidente Vascular Cerebral.
— E silicone. É permitido?
— Ai!
— Alô! Alô! Segurador? O senhor está aí? Alô!
— Minha nega, faça isso não. Outra dessa, você empacota este pobre e inocente operador nato de mamas. A última que chegou aqui com essa... essa... coisa! que você mencionou exterminou metade da equipe. Tenha dó dos outros, desalmada!
— Só mais uma informação, seu Segurador.
— Manda.
— Vocês aceitam meio caidinhos?
— Claro, deliciazinha. Até um limite de... digamos... oitenta por cento de declive, tudo bem. Tem um pessoal aqui que até prefere os desse tipo. Mas impomos uma condição.
— Qual?
— A freguesa se obriga a permitir umas mordidinhas. Nada muito drástico, claro. Com a pontinha do dente. Só pra compensar o desgaste.
— E no geral, seu Segurador? A beleza é levada em conta na definição dos custos?
— Você diz beleza da dona ou...
— Da dona. No caso, eu.
— Por que, meu pesseguinho maduro? Tu tem cara de canhão, por acaso?
— Canhão, também não. Mas não sou exatamente uma beldade.
— A, minha distante e apetitosa interlocutora, para uma empresa de profissionais como a nossa, a fuça da vítima não têm a mínima importância. Pode ser trabuco, dragão, ornitorrinco, lobisomen, o que for. Ninguém vai ver mesmo.
— Ninguém vai ver? Deixam a gente no escuro?
— Nada disso, canhãozinho. Você ficam todas encapuçadinhas. Que é pra não atrapalhar o processo.
— Só tem um problema, seu Segurador.
— Chuta, minha rainha artilheira. Chuta, que o goleirão aqui segura.
— É que... que... Bom, o senhor deve saber... Eles não são iguais.
— Eles?
— É. Eles.
— Você disse “eles”, carrasca?
— Disse, sim. Não podia...?
— É claro que não são iguais, jumentinha. Perfeito só deus.
— Será que eu posso saber só mais uma coisinha, seu Segurador?
— Pode, destemperada. Que é que é?
— Durante a sessão, o senhor fala alguma coisa ou fica calado?
— Fico morto, minha bestinha assassina. Morto de dar dó.



4 comentários:

  1. Mama mia,ri muito com este texto. Jamais poderia pensar em algo como Segurador de tetas.Escritor top é o que traz pro leitor situações inimagináveis, assim como você faz.

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    1. O Segurador ainda pega no... batente. E está em promoção até o fim de junho. Às interessadas, cartas para a redação.

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  2. Passando pra deixar um oi...

    T.

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    1. Oi, T. Em busca duma segurança também, né? Aproveita que o Segurador tá inspirado esta semana. Imagino que tenha passado dum 42 básico prum 46 demolidor. Ummm mmm

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