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Às vezes bate saudade dos nossos papos no… Como chamava mesmo? Nem... Aquele programinha de chat da MS... Live? MSTalk? Bom, não tem grande importância. Umas noites esticávamos até as 3 da matina, te perguntava, não tá com sono? Não. E me admirava aqui comigo, essa é durona, vai trampar cedinho e tá firme aqui alta madruga. Eu, segurando meu copão de uísque nos dedos da mão esquerda, que delícia, porca madosca, que senso de liberdade. A vida online pode ser compensadora quando temos sorte, não é? Tive sorte com você. Depois acabou como essas coisas acabam e fiquei meio nostálgico. Não tive mais ânimo de tentar outras experiências do tipo. Vou colocar em termos mais precisos: ninguém teve mais ânimo de tentar esse tipo de experiência comigo. Pelo que não culpo o mundo. Não sou louco, embora possa dar pinta de. Quer dizer, posso parecer, segundo os padrões em voga por aí. Mas você sabe que não ligo para tais padrões. E hoje em dia é cada um na sua à máxima consequência, não é? Somos cada qual tanto cada um na nossa, que eis-me aqui me dirigindo a uma estranha sem me preocupar que tal estranha não me responderá nem com o que pensará ou deixará de pensar de mim. Como deve estar patente, estou escrevendo para mim mesmo. Você, aqui, é apenas uma desculpa. Escritores precisam de desculpas para escrever, repito todo maldito dia. Agora há pouco peguei meu copo de balla12, me sentei diante da tela e pensei, que é que vou escrever? pergunta que me faço amiúde. Pergunta que todo escritor se faz amiúde. A escrita – ou seja, escrever – requer uma coisa muito esquisita que é um misto de experiência e necessidade de expressão. Quando se sente assim meio frouxo, sem convicção das coisas e do mundo suficiente para se aventurar numa dessas definições definitivas da existência que fazemos intimamente para nos consolar solitariamente do nosso desamparo, você – no meu caso, eu, escritor – tem de apelar à experiência. Sei que deve soar altamente complicado mas é verdadeiro e faz, para mim, sentido. O sentido é a cruz do escritor. O escritor é um sujeito que domina, em maior ou menor grau, a palavra e a técnica para empregá-la mas esse domínio não lhe faculta ir enfileirando palavras a torto e bidu. O segredo e o básico é enfileirar as malditas sob um sentido que as una e amarre de modo que possam ser reconhecidas por quem as lerá.
Como vão as coisas aí do seu lado, T? E as aulas de dança? Quer dizer, imagino que sejam aulas.
Não, não me diga, não tenho a mais remota vontade de saber, é só esta minha bendita mania de questionar, esses ecos imorredouros sobreviventes da época em que me obrigaram a aprender que um dos meus destinos seria o cultivo do interesse pelos outros. Vou desaprendendo aos pouquinhos, ou tentando, não é moleza, você deve saber. Hoje sei conscientemente o que sempre soube intuitivamente, que meu único, meu exclusivo interesse sou eu mesmo. Posso até me deixar cativar uns instantes ou uns dias por alguém mas o enfado súbito e inevitável varre meus pensamentos e minha vontade e não vejo saída que não permitir que a mais sólida das indiferenças me converta numa estátua escritora. Aprendi, autodidata que sou, e com proprietários de egos hipertrofiados como Fernando Pessoa, Rilke e alguns outros poetas, que não existem neste e em outros mundos indivíduos que valham a pena senão eu. Mas não me classifico um ególatra, longe disso. Sou, antes, um arrematado introspectivo.
E agora tenho esse assunto inadiável para tratar, a morte. A minha. Que vem vindo quente atrás da curva, feito o trem de Jimi Hendrix.
Pensei que ia me inebriar de inspiração quando chegasse a hora. Que a proximidade do encontro me facilitaria verter poemas antológicos, versos memoráveis, analogias originalíssimas. Estou frustrado. Tudo que sinto é essa mastodôntica letargia que extermina na fonte tudo que tenho, e sei que tenho, de metafísico, apesar da minha proverbial ojeriza da metafísica e outras alternativas a este mundinho besta.
O que me faz parar por aqui. Mas não se preocupe, estou lutando contra o Grande Bode. Sei que vou expulsá-lo cedo ou tarde, e sei que só preciso ter paciência, quem sabe esperar até o último minuto. 

4 comentários:

  1. Bom, a você, o mais metafísico de todos os poetas,e com persistente necessidade de se emancipar da tirania das circunstâncias humanas e proclamar a soberania da sua riquíssima e esplendorosa substância divina, dedico esta metafísica passagem do Livro dos Cantos Potentes do Egito : " O teu nome é mais poderoso que o nome dos deuses. O teu nome escrito sobre teu escudo é o nome do deus sentado no centro da tua barca. Ó barqueiro, detém seu remo! Vira-te e olha nos olhos daquele que vive no centro da tua barca!"

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  2. "persistente necessidade de se emancipar da tirania das circunstâncias humanas"... Me resumiu il il agora, Bat. Agradeço. E esse trecho dos Cantos me fez chorar. Estou evitando poesia há meses, choro só de escutar um acorde de Dvorak. Quero ir embora mas as circunstâncias humanas são por demais tiranas.

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  3. As circunstâncias humanas são tiranas por sua própria natureza,caríssimo poeta.Onde quer que esteja e em qual tempo for, elas estarão sempre revoltas querendo espicaçar a gente! Mas você, bravo guerreiro, com sua irreverência e misturando a leve luminosa Poesia com a austeridade da Verdade, põem todas elas pra correr! Lembra como a gente ria muito nos tempos da orkut quando você derrubava com a força da palavra, um a um daqueles imberbes tiraninhos circunstanciais, mercenários que povoavam lá, a não mais não menos que a comunidade Literatura! ? Incrível, se contar ninguém acredita Wil!

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  4. Por demais tiranicas, my ol' good friend

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