Sendo a infelicidade não só a dor

O menino de 14 anos deixou sua casa e sobreviveu.
Foi às onze da noite.
Dormiu no jardim duma casa num bairro nobre e retornou na manhã seguinte.
Resistiu às lágrimas da mãe e gostaria de pensar em algo.
Como odiar o pai, fazê-lo matar-se de arrependimento.
Progrediria. Se sonhasse.

Esperança não havia. Esperança era uma palavra.
Havia um amigo. Traduzido em ameaça.
Como só um raio de luz podia ameaçá-lo.

Na cama quente, um pensamento.
No mundo, a roda a rodar como rodam as rodas no mundo.

O pequeno doente era também normal.
Não cometera um erro.
Vivia apenas. Nas ruas e no silêncio de antes.

Lembranças nunca existiram.
O outro era outro, o mesmo era outro pacífico, apático.
Era o dia, era o não saber de nada.
Avançar no escuro, perto da mente, ninguém.

O menino andava estranho.
Recebia as palavras.
Deixava que festejassem.
E, quando o encontravam, sorria junto e dizia oi.

Não disse nada. Foi embora para retornar de manhã.
O pai à porta.
Horas que não lavravam o tempo.
As pessoas e suas faltas de objetivos.
Sua aparência, seu modo de olhar.
A esperança, uma palavra. A vontade, não.
O tempo, quando, sem medo, sem consideração.
Doentes sinais. Autossucumbimento.

Já naqueles tempos vivia, quando só o nada era o mesmo.
Pois o necessário não havia.
Não havia o sustento diário, a ideia feliz
Dum passeio sem volta nem ida
Sem companhia, sem rua, sem alma, sem sentido
Com o amigo adorado, a salvação
A emprestar a um sentimento o poder de conceber-se
O fim do sempre, o fim do momento, o fim da dor
Do inerte menino a horrível alegria
Na poltrona onde um livro caiu
Sob a não-sensação da opinião mundial da existência social.
A mentira da família e a maravilha na cabeça ao partir a segurança.

Sofre-se apenas. Dor não é preciso.
Esquece-se a terra.
Individualizam-se os objetos e as pessoas.
Na fantasia, a sobrecarga do que não tem importância e tem valor mesmo assim.

Amou a vida de si.
A palavra solta.
Foi embora.
Seu deus, a inexistência.
Sua fala, a impossibilidade.
Seus ídolos, os amores que devotou à realidade.

O pai de perto.
O esquecimento simplesmente.
A pessoa.
E o mundo parado feito águas e pedras.

Um comentário:

  1. A sentença: "escrever simples é o mais difícil" só fez sentido pra mim, agora.

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