O reizinho da palmatória

Spiccato

(Especialmente para minha cara amiga Rose Colaneri)



Vejo em anúncio no estadão que J. Jota de Moraes está dando um curso de oito aulas sobre o meu Ludwig que todas as tardes freqüentava a estalagem em Bonn em que o estalajadeiro atrás do balcão era a cara do demo, deus na portaria de leão-de-chácara só deixava cabra macho adentrar o recinto onde Ludwig entornava rios de vinho tinto envenenados do chumbo desprendido do cristal das taças que lhe causou a surdez sob a qual compôs a Nona e os quartetos inefáveis no fim da vida. O big boss do paraíso, com sua infinita e divina dor-de-cotovelo, de certo nunca perdoou Ludwig por ser um dos cobras da música ao lado de Bach e Amadeus, trio esperança que ocupa boa parte duma novelinha que pretendo trazer a público se este meu coração cansado de sofrer não entupir de sebo antes. Quem já ouviu sons e fúria do mundo sabe do que estou falando. Quac, a dor de ensurdecer com toda aquela música minando por dentro aos borbotões, não deve ter sido batatinha. J-J saberia se fosse artista ao invés de se obrigar apenas a sonhar com que passa na alma de um.

J-J batizou seu curso de Beethoven, o mais universal dos compositores da música clássica, titulozinho dejavu mais previsível que pulo de pipoca típico do encimadomurismo acadêmico. Professor não pode dar deixa de que tem visão pessoal de quem/que quer que seja e quando decide escorregar do muro vai de fininho na ponta dos pés que é para não pisar nos calos da comunidade acadêmica coaxando galharda na sala do corpo docente, síndrome do nivelo por baixo que é para a bugrada fingir que entende.

Nos meus idos de colegial na esquina da Paulista com a Angélica, Jota-Jota, então professor sei lá do que, um dia numa prova me botou na primeira carteira porque na semana anterior eu tinha feito um paper tão estupidamente genial sobre Rosa, que J-J julgou que eu tivesse chupado de alguém, embora eu só houvesse me limitado, jovencito quase púbere que era, a imitar o estilo banana-com-purpurina do fero Alfredo Bosi, avis-rara que gorjeia bonito na gaiola acadêmica. De marra, esculhambei a prova e J-J me deu um bezinho chinfrim digno dos vagaos que viviam puxando fumo pelos becos do Pacaembu, gente que acha que Rosa é nome de livro de Gertrude Stein. J-J, dobrando a esquina a mancar arrastando sua bengalinha sob pretexto de gota mas que obviamente era só para botar banca de intelectual enquanto na classe rezingava olímpico sobre Mallarmé e quejandos, passou tão compenetrado no resultado da loteria do coup de dés, que conseguiu não me notar no meio da manada. A intelligentsia de olhos grudados no céu não enxerga o poste pela frente.

A disciplinada Beth Brait, brava mestra de literatura que um dia teve a pretensão de me ensinar a escrever, me levava a pão de ló vendo que eu era o aluno certo no lugar errado. Brait se deixou tomar por certo desencanto quando viu que eu não suportava a aula dela senão sob efeito de meia garrafa de cavalinho, que então eu curtia engolir branca, quente, saneadora, purificante. Quero dizer à professora que, quando comecei jornalismo na Usp, a coisa degringolou de vez, fui obrigado a dobrar as doses cada dia mais aperreado sob a chatice das técnicas pedagógicas.

Brait e Moraes eram membros graduados do fã-clube de los hermanos Campos. Ninguém maior de idade pode levar los hermanos a sério. Ma che so io, a indústria acadêmica é das mais rentáveis do sistema solar, afinal tem professor que proclama ler e entender o campeão do obscurantismo Derrida pra depois dar palestra a trocentas pilas a cabeça, outros vivem a escarafunchar universidades francesas e italianas à procura de novos picaretas que possam "descobrir" e trazer para o circuito de palestras e seminários no berção e de quebra traduzir a obra do gajo para uma dessas editoras semifalidas que só publicam autores de papos-cabeça. Hélas, quão pesada é a cruz que nós poetas frustrados temos de carregar até perceber que a safada é feita do mais volátil vento que sopra ainda não descobri de onde.

J-J cobra 180 paus por seu curso para o público em geral, em que, deduzo, me incluo, pois que sou um dos mais públicos e gerais mamíferos ludwigueanos que sempre terminam sem nenhuma teta pra mamar, seja estatal ou privada. Até pagaria se J-J tivesse algo a me dizer sobre o meu olímpico Lud van que, je sais, me escuta de algures no inferno, que eu não soubesse. 

Um comentário:

  1. Olá Vaccari!!

    Mas que grata surpresa...fiquei muito feliz por dedicar-me especialmente esse texto excelente, como tudo que tenho lido seu!

    Sem ironia nenhuma, ler seus escritos sob formas poéticas ou "não" são momentos prazerosos para mim. Não sou da escrita, mas aprecio demais a leitura, a BOA leitura e eu realmente gosto muito de como vc conduz sua escrita, e assim vou expandindo um pouco meu cérebro.

    A D O R E I / P A R A B É N S !!

    Agora cá entre nós...se J-J mencionar novamente o curso...vc me avisa???

    Um abraço pra vc...ao som da OP 106 - 29ª sonata

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