Abre a torneira
fecha teus olhos
deixa escorrer
o tempo e
esfrega das mãos ansiosas
a memória
Te livra das migalhas
das folhas que secaram
ainda nos galhos
Está escuro, eu sei
fecha teus olhos
pisa firme
e vem
Bem, parece que tive uma recaída e voltei a escrever na segunda pessoa
do singular. Mau sinal (não pude resistir; meu sonho é a segunda pessoa do
plural).
As professorinhas de português nos ensinam a abominar a língua.
Eu poderia ter começado a escrever aos, sei lá, 8 anos, não fossem as
professorinhas e seus métodos stalinistas de nos entuchar “visões” na cabeça.
Aprender a escrever foi longo e doloroso. Primeiro precisei me desintoxicar do
medo das palavras. Para depois tornar a me intoxicar, agora do meu jeito. Quem
escreve tem uma intimidade com as palavras que quem não escreve não tem. (Viu
como as grandes descobertas são simples?)
Minhas professorinhas tornaram insuportável a “visão” intelectualizada.
Lembro que perdi o gancho logo na primeira aula. Os primeiros minutos foram um
assombro com a destituição herética do utilitarismo doméstico para a assunção
do olhar-mais-além.
Tudo bem, chutei o balde. É foda resistir à linguagem emplumada. Gosto
de dar uma de Lacan às vezes. Me deixa baixar o botãozinho, só um minuto.
Hoje os rostos das professorinhas me retornam à cabeça aos lampejos de estampas
abjetas e grotescas. É engraçado que não consiga lembrar o nome de nenhuma
delas, só as máscaras. A imagem no lugar da palavra. Eis a prova cabal de que fuderam
meu poder de abstração. Anos depois me tornei o primeiro da classe, a única
época em que fui olhado com certo respeito. (Um respeito meio, paradoxalmente,
desdenhoso. Ninguém dá importância ao intelecto nesta bosta de país. Por isso
somos campeões em bigbroder, novelas, astrologia e esquadrões da morte.) Assim
que me tornei o primeiro da classe, saí da escola e nunca mais consegui
completar um curso. Entrei em dois na USP e não acabei nenhum só para provar
que era capaz. Meu pai já estava morto e eu não tinha mais ninguém a quem
provar. Tem algo a ver. No colegial meu professor de literatura não devolvia
minhas “redações”. Fui escrevendo cada vez melhor, sem saber que fim davam às
minha palavras.
É mais ou menos como escrever para essas paredes descoloridas à água
sanitária cibernáutica do blogger do google.
Pois, escuta, um verso não é um cacho de banana que você bota na
fruteira para quando tiver fome.
Um verso não é um lema que você exibe no pára-choques do teu caminhão,
uma bandeira que você hasteia para anunciar tua ideologia, um crucifixo que
você prega na parede do teu perfil do FB para te proteger de maus-olhados.
Um verso não é uma ave-maria que você recita mecanicamente para fazer
de conta que tem fé.
Poetas não versejam para ser usados como troco no balcão do mercado.
Tirando os poetas diplomados da vida, a poesia é sagrada – só hereges e
pagãos não compreendem.
Poesia é "quinta-essência".
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