Na peça ensaística “A Erudição de Mr.
Huxley”, parte integrante de Ensaios
reunidos, Otto Maria Carpeaux começa assim:
“Alguns
leitores do meu livro Presenças
escandalizaram-se com a irreverência com que eu tinha tratado a mundialmente
famosa erudição do romancista Aldous Huxley. Como foi? Aldous Huxley — cuja
leitura preferida é, conforme sua própria confissão, a Encyclopaedia Britannica
— respondeu a uma enquête, dizendo alguma coisa sobre a bondade como fundamento
da poesia e afirmando que um criminoso não pode ser bom poeta. Acontece que
François Villon, considerado por muitos, e com boas razões, como o maior poeta
de língua francesa, foi vagabundo, escroque, sacrílego e assassino. Concluí que
Aldous Huxley ainda não tinha chegado, na leitura de seu livro preferido, até o
volume XXIII, verbete Villon.”
Falar de Huxley no meado do século 20 era
o mesmo que falar de... Quem mesmo? Não temos mais intelectuais de monta que
nos conduzam em meio ao nevoeiro e à escuridão? Até a década de 1980 nosso
firmamento cultural se recheava de estrelas-guia como Graham Greene, Iris
Murdoch, Sartre, Simone Beauvoir (a intelectual francesa par excellence, cuspia
pensamentos e impressões qual metralhadora, espantoso que se tenha deixado
obscurecer pelo companheiro, a prosa ensaística dela é hipnótica), Gore Vidal,
Susan Sontag, pegando o vácuo de batutas como Huxley, André Gide, Camus, Levi-Strauss,
Lukács e uma batelada, para ficar nos medianos.
Semana passada ganhei As cem melhores crônicas brasileiras, comprado em sebo, bien sûr, hoje em dia só petista saqueador do Erário
tem grana pra entrar na Cultura e sair cumas cinco ou treze sacolas estufadas
dos meus amores. PQP, como curto comprar livro. O supracitado Ensaios de Carpeaux custou cem pilas
na mesma Cultura há dois anos e meio, tá
de graça, argumentei com meu presenteador, que enfiou logo outra meia-dúzia
no cestinho pra não me escutar os choramingos. Também curto obrigar muquirana a
torrar uma grana preta em livraria. Quem foi que ensinou esses carinhas a ler
franceses e ingleses na primeira infância, afinal de contas? Compensou ou não
compensou? me digam. O agradecimento vai à minha tia Geny, que aquele senhor
que criou todas as coisas a tenha. Ninguém mais tirou proveito que minha mana,
que já traçou a Recherche quatro
vezes et comptant.
E a esbórnia de ver tanta gente
sofisticada num mesmo volume. As cem
melhores crônicas brasileiras incluem Rubem Braga, Antônio Maria, Paulo
Mendes Campos, Nelson Rodrigues, Ivan Lessa, Drummond, Rachel, Otto Lara,
Sabino, Millôr, Mario, Gullar, Graciliano, Machado, tudo gente inteligente como
a gente. Preciso da inteligência mais que ar. Não é facilmente encontrável dia
a dia. Vejo pouco meus dois rebentos e o único momento que ainda faz tudo isso
valer a pena é quando vamos a um diner
pruns comes e bebes. Quer dizer, eles comem, eu bebo. Só puxaram o pai no QI, os
pilantras. A esqualidez intelectual dos utilitaristas que me cercam e mandam no
mundo me dá preguiça de sair da cama. Bon dieu, que falta faz a centelha da
lucidez intelectual nas pupilas dos caras. São bonecos empalhados sempre às
voltas com suas tarefas e seus “compromissos”. O olhar sonso e opaco e a máscara
facial inexpressiva de quem logo cedo deixou a vida interior secar em troca do
maldito conforto, maldito conforto pelo que se matam e adoecem, maldita tevê a
cabo que lhes sugou a anima pelas pupupilas
para cuspipi-las no lixão das almas, malditas viagens para “espairecer”, “que
ninguém é de ferro”, “olha o coração”, “você precisa tirar umas férias, cara”, “já
conhece as praias do Ceará?”. Se um dia for lá conhecer as praias do Ceará me
afogo nas águas dos mares do Ceará, dizem que você chega à areia e é
instantaneamente rodeado duma centena de pequenos zumbis encaveirados vendendo
pedindo suplicando dando trocando e o “turista” eivado do imorredouro espírito
turístico ainda é capaz de apreciar o horizonte azul e exalar de felicidade.
Estendo a mão, apanho As cem melhores, há um marcador mais ou
menos no meio do livro, abro, olho, primeiro penso que é piada, olho meu
presenteador
“Até que é
boa”
ri, tentando baixar minha guarda.
“Mas não são as cem melhores crônicas brasileiras?” releio o título
imaginando que houve algum engano.
Ele faz “paciência” cum trejeito da testa
e da boca e encolhe os ombros.
Meus lábios ainda estão desabrochados de
espanto. Meu olhar continua colado no título da crônica e no nome do autor. A ipanemia. Caetano Veloso. Pulo pro índice,
repasso, espeto, Um lugar ao sol,
Chico Buarque. E Danuza Leão. E Marcelo Rubens Paiva. Xico Sá. Um tal de João
Paulo Cuenca, epa, já vi esse nome entre os “colaboradores” da Folha, nunca
tive coragem de ler. E, incontestemente, the good ol’ Verissimo sem acento.
Mas não eram as cem melhores? minha voz insiste, agora para as paredes, já fui
abandonado. Só o Graciliano tem umas trintas melhores (e não encontro nenhuma
delas). Machado, umas cinquenta. Nelson Rodrigues, vinte e sete. Já dava pra
fazer as Mil melhores crônicas
brasileiras, fora outras cinco mil que não couberam neste volume.
Tudo bem, Luís Fernando até que é legível,
mas como engolir sabendo que o cara dá uma de joão-sem-braço ante o Grande Assalto
Lulopetista ao Erário? E perto dos grandes Verissimo encolhe ao nanométrico.
Puta que ol’ pariu, merda de populismo
que tem de se infiltrar em tudo. Você quer ler jornal, tá lá um tal de Fábio
Porchato com sua fucinha de tarado analfabeto. Você tenta uma revista, dá de
cara cum tal de Bruno Astuto que se anuncia assim: Notícias de moda, cultura e celebridades. Aí você apela pra Veja e
acaba no blog dum tal de Felipe Moura Brasil que não sabe associar dois períodos
de forma a disfarçar que se trata dum semiletrado.
Ah! Tem até o Jabor entre as cem
melhores. Não podia faltar, claro. O Jabor pelo menos desce a lenha nos
lullistas. Vou conferir. Primeira pessoa. Sobre o avô dele, Arnaldo Hess. Sem
querer, liquido em dois minutos. Belíssima crônica. Me conformo. Nem tudo está
perdido. Vou arrancar apenas a do Caetano e a do Chico. E a dum tal do Antonio
Prato, filho do Mario. Eu me envergonharia dum rebento desses. Se passar um
estilete com cuidado nem vai dar pra notar. Nunca mutilei um livro. Este merece.
Sentir-me-ei consolado. Inda ia tratar dos dois cahiers de Camus com que me brindaram outro dia de que comecei a
falar outra noite. Fica pr’outra hora.
Também eu curto, meu caro, não sabe quanto.
ResponderExcluirDiga-me, estes seus presenteadores de livros são universais?Poderia concorrer?
Mas não, não me mande este aí das páginas de Caetano destacadas, obrigada.
Belo texto poeta!
Antonio Prato, filho do Mario? Que cazzo. Deve ser Antonio Prata. De qualquer forma, é mais um esquerdoido a reverberar loas alucinadas ao Maior Mafioso de Todos os Tempos nas amarelecidas folhas da Falha nossa de SP. Santa mãezinha, que época, esta. País de bananas.
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