Admirável corpo novo


Umpf!

para Joana D'Gleyse

O tempo passa (uma citação de Fiori Gigliotti não vai fazer mal além do necessário). E o pessoal está cada vez mais jovem. Alguns chegaram quase a ninfetas e apolos.
A tecnologia, deusa da moda cultuada pelo novo ser do século 21, salvará do inferno da velhice e da feiura a gente aditivada e seus estranhos deslumbres. Basta uma visitinha ao consultório do cirurgião plástico, o mágico confessionário em que revelamos nossa podridão, para que o doutor nos facilite acesso ao reino da juventude.
Em 1904, quando sei lá quem escreveu Peter Pan, o menino que não crescia (criança, me aterrorizava a ideia de não crescer), ainda nos contentávamos em fantasiar, confinando nossos desejos mais proibidos ao pensamento. Peter Pan não correu o mundo apenas porque teve uma mãozinha de Walt Disney. Como tudo que sai da cabeça dum artista é o que ele vive embora se pense que invente, o boyzinho eterno não poderia ter vindo à luz em outro século que não o 20, quando se estabeleceu a ideia de indivíduo contra a do rebanho que existia para servir ao deus prevalente até então. Nem Shakespeare no século 16 teria imaginado um pirralho perenemente condenado à infância. O tempora o mores, xará. 
Fantasia hoje não basta ─ precisamos ser os protagonistas do nosso próprio filme. Mais: precisamos ser nosso próprio filme. 
─ Veja, doutor. Apareceu esta ruguinha aqui. E outra aqui. Por que a vida é tão injusta comigo?
─ Calma, dona Marta. Nada em que o old good raio gama não dê jeito. E pelos próximos trinta anos aplicamos de novo.
Enfim chegamos à cirurgia sem cortes, sangue e traumas. Gratificação instantânea ou outra cirurgia amanhã. Eis a tão esperada abolição dos ditos populares: pau que nasce torto não morre mais torto. 
A essa altura ─ a altura em que nos preocupamos apenas com as rugas ─, dona Marta já foi submetida a recauchutagem de cabo a, com perdão da palavra, rabo: reduziu o naso italiano, afilou as narinas à la Michael Jackson (aquele sui generis negro de cara nórdica, paradigma da sincrética Nova Beleza, que planejou e executou o próprio suicídio praticamente ao vivo nas telas das tevês, num ritual insano que se estendeu por anos a fio), eliminou pés-de-galinha, cotovelos-de-foca e focinhos-de-porco, alisou papinhas e papões, diminuiu a envergadura das orelhas, pôs um belo enchimento no queixo de Noel Rosa, suavizou os pomos de Henry Silva (essa fica para cinéfilos mais fanáticos). 
Convenhamos: antes das 170 cirurgias, dona Marta era um belo dum canhão. E só conseguira laçar seu Dudu porque seu Dudu também não era lá grande coisa. Passada a metamorfose, aposentou o carão de bruxa, transfigurando-se num escaravelho cibernético: rosto de pele retesada do Oiapoque à Marilena Chauí, olhar estranhamente assimétrico à la Rita buarqueana e sorriso mais misterioso que o da Monalisa, que, dizem as incansáveis más línguas revisionistas, na verdade era travesti, judia, negra e ninfomaníaca.
A mãe de todas as conversões, porém, parece ser a que ocorre no pudor ─ ou falta dele ─ dessa gente transformista. Era engraçado e ao mesmo tempo triste ver o paradigmático Mr. Jackson dando entrevista à imprensa. O rapaz parlava, mirando a câmera como se fora o mais natural espécime animal do mundo, casual, fuça andrógina coberta por máscara tutancamonense. Parecia pensar que nós telespectadores temos um botãozinho mágico que automaticamente pulverizaria de nossos cérebros a incômoda sensação de estarmos vendo o mais esquisito dos alienígenas cuja semelhança com o ser humano nos causava um choque, mesmo que não admitido. Ficávamos olhando encafifados, será que é gente? convictos de estarmos diante do nosso bisavô tentando falar do passado através do que devem ter sido nossas micagens uns cinco milhões de anos antes.
Na nova ordem do politicamente correto (nova historicamente; já quase ultrapassada para quem nasceu ontem), dia chegará em que esse tipo de dúvida será classificado como preconceito e nós duvidantes, permanentemente céticos e abismados com as novidades que vivem pondo o mundo de ponta-cabeça, poderemos ser processados e presos por não acreditar no que vemos (ou no que sentimos (embora já estejamos sendo “alienados” há pelos menos uns cinco mil anos sob o processo civilizatório)). A sanção ainda não está no código penal porque os correcionais não decidiram que tipo de preconceito configuraria a ojeriza a transformistas renegadores do próprio sexo e da própria raça. Bem que nossos valorosos políticos podiam incorporar à Constituição um artigo permitindo que o povo seja definitivamente feliz, proibindo terminantemente duvidar da humanidade de quem quer que se autoproclame humano. 
─ Voalá, dona Marta! ─ entusiasma-se o doutor, equilibrando um espelho diante do nariz do camaleão. ─ Rosto novinho em folha. E, de brinde, uma baita duma cara de pau! 
─Ora, doutor. Não precisava. Essa ganhei de nascença. 
Nos meus tempos de criança ─ ou seja, quando as pessoas nasciam, cresciam, envelheciam e morriam naturalmente ─, a mutação era privilégio de deus e prerrogativa de ídolos de Hollywood. 
─ Ava Gardner fez cirurgia para endireitar a boca! ─ anunciava o homem do Repórter Esso. ─ E Brigitte Bardot desenrugou as pálpebras! 
(Ainda éramos pudicos e omitiam as partes mais interessantes, as pudendas.) 
Arregalávamos nossos pequeninos olhos que nunca se cansavam do ofuscamento, tentando clarear a densa mas ainda impoluta névoa que aquelas novidades enfiavam em nossas cabecinhas caipiras. E “plástica” fazia soar um sininho lá no fundo do poço entrevado em que vivíamos, passando a integrar os Grandes Mistérios da Infância. Só marmanjo vim a ter ideia do que se tratava e acho que mesmo hoje não entendo direito. E a misteriosa operação nunca envolvia alguém que conhecêssemos pessoalmente ou uma prima distante. Era negócio de milhões de dólares, conduzido em necromântica torre aveludada de Beverly Hills, métier exclusivo das divindades do cinema e mil anos luz fora do alcance da baixa classe média em permanente estado de deslumbre.
O resultado do fosso intransponível era que ficávamos impossibilitados de fazer avaliações morais das ninfas transmudantes. E aquela gente pertencia a outra dimensão, mundo que invejávamos numa boa: não temíamos que pudessem nos destruir em nossa insignificância operária nem tínhamos a veleidade de almejar àquele universo utópico, que ─ alívio ─ diluía as tormentas que chacoalhavam nossos corações. 
Não que em nossa vidinha sob o lema Trabalho e Dignidade não houvesse lugar para frivolidades. Havia. Mas obviamente dentro do que em nosso meio era tido como bom-senso. Às meninas e moçoilas em geral permitia-se maquiagem segura e discreta que não transfigurasse o rosto da dona. A suave máscara de pó de arroz devia protegê-la dum perigoso contato com sentimentos com que ela talvez não soubesse lidar ─ e que, principalmente, não desse azo a ideias malucas a nós, glutões sexuais que nada tínhamos de belos adormecidos. Olhando hoje fotografias das décadas de 30 a 60, com mulheres de braços e pernas rechonchudas e tetas túrgidas e lábios carnudos pintados de carmim, pedindo para ser beijadas mas cientes de que a disciplina moral reinante impediria que caíssemos na lascívia, mulheres elegantes e ao mesmo tempo apetitosas, sóbrias e decorosas e ao mesmo tempo desejáveis, que nada têm a ver com a esculachada fauna de hoje, maltrapilhas anoréxicas pulando feito saguis fornicadores de mão em mão a cacarejantes e emperiquitadas assexuadas de indisfarçável aura de eterna menopausa, hoje, vendo aquelas fotografias, pombas, penso, porra, vivíamos à beira de vulcões congestionados de sexo contido mas nem por isso, quando irrompiam, irrompiam nessa boçalidade pretensamente sensual que virou praga.
Aquelas é que eram fêmeas, mon ami. A atual acessibilidade à beleza de laboratório, facilitada pela liberdade de costumes, na prática, em vez de fazer de nós seres mais livres, apenas acabou com o barato com que idolatrávamos as dríades agraciadas pelos deuses genéticos com a sorte de nascer com carinhas de anjo. Eu vivia caindo de amores por elas. Quando estava conseguindo me levantar, vinha outra, me levando de novo para o meu solitário mergulho na paixão não correspondida. Não ousava chegar perto das deusdedes. “Abordar”, jamais. A beleza hereditária é como o gênio: nos perturba porque está acima de nós, inatingível. De quebra, a beleza de laboratório dizimou os ideais estéticos perseguidos desde os gregos até as vésperas da Semana de 22. (Oxente, terá Monteiro Lobato tido razão?) 
Quando os limites ainda não tinham sido excedidos e não nos achávamos deuses, desesperados, egos hipertrofiados, peso intolerável, quando eu e minha irmã ainda pedíamos benção ao meu pai e à minha mãe antes de dormir (até que um dia meu cunhado, tendo ido dormir em casa e presenciado a cena que depois qualificou de humilhante submissão, me chamou a um canto e ordenou, de hoje em diante nada de benção, isso é coisa de criança, embora eu ainda tivesse uns oito anos, já velho para a época), antes sabíamos que nossa vã natureza guardava contradições intratáveis. Estas talvez pudessem ser ligeiramente tocadas nos altos círculos da aristocracia culta, que sabe tintim por tintim o que pode perder se confundir alhos e caralhos. Para a plebe que não tem onde cair morta nem viva e para quem viver é ficar eternamente à espreita das migalhas caídas das toalhas rendadas sobre as quais os ricaços celebram o júbilo de existir, as contradições humanas deveriam ter continuado intocáveis. 
A ciência veio mostrar que tudo é possível. Freud acabou (psiquiatras e neurologistas são ensinados a desdenhar do pai da psicanálise, produzindo mais dúvidas que certezas num tiroteio feroz entre os que se proclamam herdeiros genuínos e dissidentes por justa causa) com a conversa fiada de que a alma é indevassável. A Revolução Francesa já provara que nem só os ricos podem ter vida de rei. E a mídia (pulo a discussão hodierna sobre essa palavra; é aplicável como qualquer outra) escancarou os portões do paraíso para os plebeus, permitindo que roubassem o fogo dos deuses. Maravilhados, resfolegantes, de olhos vidrados, a working class passou a brincar com o fogo proibido e todos nos queimamos. 
O humanismo democracista populista desencadeado pela Revolução Francesa pariu a mosca azul que picou a caboclada. Em eras feudais, servos, cavalariços e roceiros estavam satisfeitos em receber tratamento de mula e manter distância dos mistérios do céu e da terra, obedecendo ao senhor e temendo a deus. A aia que trabalhava vinte horas por dia no castelo, muito antes de fazer a redentora bronha em Marx três vezes ao dia, provavelmente não reclamava da esporádica enrabada infligida pelo patrão. Não havia opção. E também parecia não haver alternativa à revolução burguesa. A grana produzida pelos descobrimentos, com o perdão da palavra, abundava ─ as cortes tiveram de abrir para os novos mercadores e deu-se então a degringolada. 
Os bolcheviques perderam o foguete da história porque tiveram o azar (e, para o resto de nós, a sorte) de a Europa estar metida na Primeira Guerra, que determinou o fim do século 19, o declínio do Império Britânico, o fim dum ciclo da Revolução Industrial e a ascensão do Império Americano.
Assim como a Francesa foi a culminância duma ordem que teve origem nos descobrimentos, a Revolução Russa foi resultado natural das estonteantes perturbações causadas pela Revolução Industrial e cujos espertíssimos intérpretes e arautos incluíram Newton, Voltaire e, quem diria?, Marx e suas geniais sacadas sobre os movimentos intestinos do capitalismo, juntamente com o funeral do Classicismo e da obra integral, dos romances com começo, meio e fim escritos sob as magistralmente insuperáveis e organicamente inteligíveis sinfonias de Beethoven e, antes, das divinas fugas e cantatas de Bach, que ─ não pode haver outra explicação ─, lhe foram sopradas aos ouvidos diretamente por deus, muito antes d'este ser diagnosticado morto por Kant, com certidão de óbito testemunhada por Nietzsche. O Romantismo e sua angst existencial foram o reflexo mais discernível desse vendaval. Marx, embora do escambau, conseguiu botar o dedo apenas em algumas contradições da nova era ─ a reviravolta foi acachapantemente colossal, não dando sopa nem para o igualmente colossal barbudinho que jamais imaginou que um dia estaria na foto de cabeceira de Lulla, o Metalúrgico Deslumbrado. E, depois, ele, Marx, também era humano ─ como todo bom patrão, precisava dar umas paradas para comer a empregada que culturalmente ainda vivia sob o Feudalismo e condenar a história a ser eternamente repetida. 
Uma revolução que pegou a rabeira do destempero delirante de Wagner e suas óperas quilométricas que tentaram unir o sombrio folclore germânico aos horrores do mais trágicos dos séculos, que terminou em Hitler e inaugurou a nova era sob os bills gates do Vale do Silício, uma revolução que perdeu o rumo sonoro sob o anarquismo da música dodecafônica, contemporânea das dezenas de movimentos estéticos que a cada dia se produziam na Europa convulsa tentando se firmar exatamente quando Joyce, Proust, Kafka, Picasso e outros menos votados iniciavam um retrato fugidio dos trilhões de pedacinhos em havia se convertido a amorfia da realidade, procurando rugir quando Freud começava a demonstrar ─ para quem estivesse a fim de ver ─ que estamos longe de ser donos do nosso destino (embora se tivesse inspirado literariamente nos anacrônicos insights seiscentistas de Shakespeare, que por sua vez desencavara umas lendas imperecíveis da mitologia grega), bem, essa revolução não podia dar certo. 
O momento propício passou e a oportunidade não volta mais. Parece que a luta de classes morreu na Paris de 1789, bem antes que Marx pudesse balbuciar “só sei que não sou marxista”. A Revolução da Informação provavelmente botará um fim na classe operária. Agora todos somos mestres, donos do nosso próprio nariz. A internet, o celular e toda a tralha eletrônica nos concede a liberdade absoluta de ser o que quisermos, onde quisermos, à hora que quisermos. Noventa e nove por cento da fantástica e ao mesmo tempo soporífera “experiência” on-line é lixo, claro, mas who cares? Cada um de nós tem o poder na ponta dos dedos, mesmo que a maioria acabe sem dinheiro para pagar a conta do provedor depois que a desenfreada corrida tecnológica abolir todos os empregos. 
O mundo sem fronteiras perpetrado pela informática nos distancia dos problemas que nos afligiam até ontem e que hoje retornam esporadicamente para nos atormentar qual pesadelos longínquos. O delírio de grandeza vislumbrado por Freud, a confusão entre querer e poder que invariavelmente nos faz quebrar a cara na vida, está se pulverizando frente à mágica ciberespacial. O inventor da psicanálise, provavelmente uma das três ou quatro cabeças dignas do nome no século 20, está sendo “revisto” pelos ianques, que não estão a fim de ouvir falar em limitações para o xaxado do homem na Terra. E, logo, no Universo. Onipotência deixou de ser delírio.
─ Sabe duma coisa, doutor? Cansei de ser hetero. Quero ser sapato. Quero, quero, quero! 
─ Absolutely, dona Marta! Absolutely! 
─ Como assim, absolutely, doutor? E escritora, doutor? Posso também? Sempre me amarrei naquele ar blasé-chique da Virginia Woolf. 
─ Não tem problema, dona Marta. Hoje em dia, com a internet, qualquer um escreve a porcaria que quiser. 
O zé-ninguém de hoje se pensa capaz de ter acesso à felicidade e derivados tais como bem-estar, elegância, conforto, luxo, beleza. A democracia irrestrita, confusa, sobrecarregada de direitos imerecidos porque não conquistados a ferro e sangue como antes, que, imerecida, leva na conversa os cabeças de vento de que a lei de Darwin foi finalmente abolida e podemos finalmente nos assenhorear do mundo, com o bônus do prazer infinito como manda nosso igualmente intratável senso de solidão, culminou na balbúrdia dos ismos do século 20, o século da libertinagem e da falta de compostura. É claro que “compostura” e termos que tais não foram incluídos entre a meia-dúzia de zurros que compõem o linguajar dos semiliteratos libertários que reverberam nos meios de comunicação e nas redes sociais e dos analfabetos que fazem nossas leis que, juntos, nos impõe um inferno pior que o feudal. Para eles, na mais infame das inversões de valores que ditam nossos destinos e seus rebanhos, nada é mais natural que a felicidade absoluta e nada é mais legítimo que obtê-la a qualquer preço. 
Os próceres do paraíso podem passar a perna em Freud mas não em Darwin. E nem interessa. Somos atochados desde criancinhas com quiméricos ideais democráticos propalados a quatro ventos mas praticados apenas na medida que beneficie o Poderzão com Maiúscula, aquele dos sarneys, lullas, collors e quejandos, de cuja essência apenas Kafka logrou tirar uma fina ao transportar as encrencas que arrumara com o pai para o plano mais geral da rupturas das gerações em particular e dos relacionamentos humanos em geral. (Peço humildes desculpas aos estruturalistas pela heresia de misturar a vida e a obra do sr. K.). 
Enquanto Eles espargem a cortina de fumaça de que todos temos direito a tudo, dezenas de worldtradecenters atulhados de crianças desmoronam todo santo dia nos países pobres. Não bastassem os quatro de julho e sete de setembro e todo o asneirol democrático-patriótico, agora temos de engolir a maldição do onze de setembro, glória de numerólogos asnáticos e dos maníacos por efemérides, apresentadores canastraços do jornacional choramingando a vileza dos islamitas que ainda estão nas trevas das Mil e uma noites esfregando a lâmpada esperando aparecer do nada um miraculoso gênio como provavelmente não seria possível esperar em outro país sob qualquer outra civilização mais pragmática, horror dos herdeiros dos comedores de biguemeque, porcalhões a atulhar oceanos de lixo, rios de metais pesados e o ar com o perfume da morte, leitores de Veja, inventores do fogão de acendimento automático que usaram duas cidades dos subservientes japoneses para estudar os efeitos da bomba atômica sobre a população civil, escandalizados com os selvagens mulçumanos e seu deus de araque, gente que obriga suas mulheres à burca, que vive num plano espiritual sem efeitos especiais, que não conhece as consequências da semana de sete dias de trabalho sobre as vilezas da realidade, da disciplina e da capacidade protestante em vencer a natureza, primitivos que fizeram picadinho dos magníficos duplos símbolos fálicos da América.
─ Veja só que bilauzinho, doutor! Eu queria era uma bazuca, um míssil intercontinental... uma... uma... Coisa! Que a Marta desmaiasse de ver. Que fizesse ela parar de sonhar com o negão frentista do posto da esquina.
─ Não se preocupe, seu Dudu. Estas pílulas vão resolver seu problema. De que tamanho estamos falando exatamente?
─ Hum... Uns quatro metros talvez. Que o senhor acha?
─ Quantas cabeças?
Que mulçumanos, latinos, budistas, bramanistas e outras raças/religiões dogmáticas que dão mais importância à castidade espiritual e à mitologia religiosa que pararam no tempo há três mil anos que à conta bancária e uma cozinha superautomatizada permanecem voltados para rituais tribais, adorando totens e cultuando o tio de Maomé, estão fadados ao extermínio, é óbvio. Os alemães, vivendo até a semana retrasada numa confederação de estados mais ou menos independentes sob distintos níveis de encantamento letárgico produzido pelo cravo diabólico de Bach e o sublime, demolidor piano de Beethoven, tiveram de levar duas monumentais sovas para esquecer a busca do ideal grego da beleza e entrar rapidinho na corrida tecnológica (tecnicismo que Hörderlin já criticava nos alemães de seu tempo) antes que fossem deixados para trás pelos americanos com sua congênita vocação para “fazer” dinheiro e com ele acumular poder e desenvolver tecnologia para garantir o conforto tão merecido pelos conquistadores modernos.
O pragmatismo americano, insondável para os outros povos, desabrochou na Guerra de Secessão sob a civilização saxã e a ética protestante do trabalho sacada magistralmente por outro cabeça do século 20, Weber, cujas ideias são anátema no nosso tolamente libertário Berção, cujos universitários, eternamente resolvendo os problemas do mundo com as barrigas flácidas encostadas em balcões de botequins, copo de cerveja na mão lisa de quem nunca pegou no pesado, maldizendo o infortúnio da senzala e fazendo greve contra cortes das verbas que irão sustentá-los num futuro próximo quando entrarem para o funcionalismo público, enquanto um pistolão amigo de papai não descola a vaga de escriturário na caixa econômica, onde ele, o universitário esquerdista, vai coçar o saco até morrer, metendo a mão na grana que não é dele sempre que surgir a oportunidade enquanto se prepara para ingressar num partido e repetir as práticas de gatunagem aprendidas na universidade, bem, o pragmatismo americano se consolidou na Guerra de Secessão sob o ar fresco da nova terra onde podiam fechar os olhos para o fardo cultural-histórico da Europa ainda sufocada pelo ranço da queda do Império Romano e as sucessivas encrencas que aparentemente nunca se resolveram, com a eterna pendenga França-Alemanha-Inglaterra e, em menor escala, Itália, útero do Império e onde os primeiros efeitos dos descobrimentos resultaram no Iluminismo pós-auge do poder político supremo da Igreja. O século 20, que começou a despertar na Revolução Industrial inglesa e amadurecer em 1865 nos EUA, não podia esperar. A Guerra Civil americana, que estabeleceu de vez a unidade e a identidade do país, durou quatro anos e matou mais de 600 mil soldados (ou 10% da população economicamente ativa), com bestialidade para nenhum Gêngis Khan botar defeito, a quase concomitante guerra austro-prussiana, igualmente decisiva para a unificação alemã, foi batizada de Guerra das sete semanas e consumiu pífios 30 mil, entre alemães, austríacos, italianos e húngaros, enquanto do lado debaixo do rio Grande a também concomitante Guerra do Paraguai, travada por seis anos, dizimava 90 por cento dos homens paraguaios.
Uns vinte anos antes da Guerra Civil, os EUA tinham abiscoitado do México nada menos que o estado do Texas. Os tataravôs de Carlos Fuentes, Chaves e Quico já haviam vendido o Norte da Califórnia para os ianques, mas bateram o pé quando estes disseram que também estavam a fim de um dos maiores depósitos de óleo do planeta. Em dois anos o papo estava resolvido. 
Será que teríamos enfiado o Paraguai no bolso e aberto uma comunicação com o Pacífico, engolindo o Chile se preciso, se fôssemos como os americanos? quem sabe estendendo o império brasílico até a Terra do Fogo e, aproveitando o embalo, anexando as demais republiquetas, viveiros de miseráveis manipulados por espertalhões de ONGs financiados com muita grana por canadenses, americanos e europeus que precisam descontar imposto de renda em programas sociais e sustentação de matas em perigo de extinção no Terceiro Mundo?
É curioso o desconhecimento quase total de nós não estudantes e não historiadores brasileiros sobre a guerra que travamos contra nosso vizinho hoje entreposto comercial da China. Os ianques, em estado permanente de devaneio militarista, ano a ano produzem bateladas de filmes e livros sobre a Guerra Civil que dividiu os estados nortistas e sulistas. Nós não ousamos falar do nosso passado bélico. Para eles é um passado de glória. Para nós, inexistente.
Os Estados Unidos se metem em algum tipo de guerra há 150 anos. Não pararam mais quando sacaram que podiam se tornar império numa relativa maciota. “Incorporaram” o belicismo. “Veterano de guerra” faz parte do cotidiano deles como “o luar do meu sertão” para nós. Eles têm veterano da Segunda Guerra, veterano da Guerra da Coreia, do Vietnã, da Guerra do Golfo e já da Guerra do Iraque. Não se avexam nem mesmo de ter invadido Granada. (Quem sabe em algumas décadas terão também veteranos da Guerra do Brasil, quando finalmente decidirem acabar com o carnaval na Amazônia, que caboclos incompetentes estão dizimando à desertificação.) 
Enquanto isso, o que ocorre na Europa? Há algum tempo um punhado de agricultores gauleses com bigode de Asterix atiraram algumas pelotas de queijo de leite de cabra contra a vitrine dum Mcdonalds no interior da França. Devem ter se imbuído do mesmo espírito com que cantaram a Marselhesa enquanto os chucrutes atravessavam desdenhosamente o Arco do Triunfo para ocupar Paris em junho de 1940. À parte torcerem o nariz para o incontornável domínio do inglês no mundo e terem se escondido atrás da Comunidade Europeia e da Alemanha quando peitaram a agressão americana contra o Iraque, tudo que os franceses produzem de importante no mundo são intelectuais que vêm aqui bajular Lulla porque se amarram num sindicato que garanta a todos os xeiques sindicalizados direitos eternos e aposentadorias incomensuráveis sustentadas por vassalos e odaliscas tropicais sob apoplético ataque carnavalesco. (Quando o peetê ganhou, franceses fizeram fila para homenagear o barbudinho e os “novos tempos”. Chô, frogs!)
Eis que a China assomou no horizonte. Provavelmente em 20 anos serão os novos mandarins dos reinos entulhados de lixo e oceanos assoreados de dióxido de carbono. Até lá a execução de criminosos e dissentes políticos pela bala na nuca talvez esteja implantada mundo afora. Seria bom ou ruim? Não tenho tempo nem vontade de decorar aqueles três mil ideogramas da língua deles. Comecei a aprender inglês, o idioma mais moleza que há, aos cinco anos. Não quero saber como se diz bom dia em mandarim. A simplicidade do inglês decerto azeitou o predomínio político, econômico e cultural americano. Talvez devêssemos começar a rezar para que os chinas tenham tempo de fazer em 20 anos todas as revoluções que culminaram no Ocidente que conhecemos hoje. Não acho que dona Marta e congêneres se dessem o luxo das 170 plásticas sob os novos patrões de olhinhos puxados ávidos por macaquear a América, absolutamente indiferentes à emporcalhação do planeta. O deus cristão talvez esteja dando graças a Kant por tê-lo matado ─ Ele não seria páreo para o Buda comunista.

2 comentários:

  1. Olá Wil. Como sempre, aprendo e me divirto com seus textos. Este deu uma vassourada geral e histórica em todos os cantos do planeta e também mostrando profundamente quão frívola,rasa e superficial é a nossa ( deles outros) vidinha brazuka aqui. Falando em Guerra do Paraguay, aqui em Soraux,a fazenda Ipanema põe à visitação pública a fábrica de armas utilizadas pra combater na guerra do Paraguai.Infelizmente o lugar que é bonito mostra o abandono, desleixo e descaso com o bem público. O visitante, pelo menos quando fui era assim, se depara com placas de advertência e cuidado porque infestado de carrapato estrela. Tira até o pique de visitar! E as casas ao redor,em estado de deterioração com o mato entrando pelas janelas. Incrível como já é patente no brasileiro o desprezo pelo seu próprio patrimônio, e pela sua própria história. Ele, o dormente brazuka, é capaz de gastar fortunas pra visitar um lugar semelhante em outro país.Que lástima.
    Por tudo,adorei seu texto Wil.

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  2. Wil!
    "(...) rosto de pele retesada do Oiapoque à Marilena Chauí, olhar estranhamente assimétrico à la Rita buarqueana e sorriso mais misterioso que o da Monalisa, que, dizem as incansáveis más línguas revisionistas, na verdade era..."
    Eu não me aguento com esse humor pra lá de ácido que você carrega consigo. Nem poderia dizer mais do que me proponho porque não seria suficiente.
    Essa efervescência de que tratas...
    Na verdade, fizeste um apanhado histórico tão orgânico que mesmo com recortes e desmembramentos aqui e acolá, dá pra ratificar quase inteiramente seu texto.

    Ava fez mesmo cirurgia? Perdoe-me por me ater a este trecho, é que muito me interessam divas do cinema (apesar de apenas uma tomar-me para si enquanto atua). Bardot nem se parece mais consigo (apesar de apenas uma tomar-me em sua beleza). E te direi quem é.

    No mais, caro Wil, avante (se é que ainda é possível).

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