Ordipogreço



Literalidades


Naquele distante, exótico e irrespirável país havia um Serviço Oficial implantado, patrocinado, fiscalizado e controlado por diversos organismos governamentais.
O lema do diretor Executivo do citado serviço OFICIAL era: se você puder fazer seu trabalho novamente, ótimo. Se puder fazê-lo o mais tarde possível, otíssimo! Se afinal não fize-lo mas conseguir fingir que o fez e o fez bem feito, então nem se fala!
O referido SERVIÇO oficial, porém, vivia sobre (sic) um di-lema, que o lema do diretor executivo não contemplava nem na introdução nem na confusão e assim os funcionários não podiam chegar simplesmente a uma resolução, cuja situação resistia a qualquer aproximação.
O mencionado di-lema, que afligia ao corpo de funcionários como um tudo (sic) porém não ao esbelto e suave corpinho de dona Cândida (ou Candinha para os mais chegados), pachorrenta, avassaladora e generosa Auxiliar substituta de Reconhecimento de documentos Insuspeitos da respectiva seção, era o seguinte: deviam organizar os tradicionais jantares trissemanais que realizavam em homenagem aos membros da diretoria do ilibado serviço oficiAL às terças, quintas e sábados, como era o desejo de exatamente a metade do corpo de funcionários como um tudo, ou deviam fazê-lo às segundas, quartas e sextas para agradar à outra metade, que era exatamente a outra metade?
Após oito anos de exaustivas discussões, que às vezes tornavam-se até mesmo acaloradas, mas cujo calor nunca era suficiente para colocar em risco o emprego de qualquer participante das mesmas, e que, em outras vezes, chegavam mesmo a monopolizar as conversas durante os jantares que eram o objeto primeiro e que em ocasião alguma foram suspensos (muito pelo contrário, foram até mesmo estendidos para todos os dias da semana enquanto não fosse possível determinar qual seria a melhor opção para os dias em que os mesmos deveriam ser realizados) de toda a celeuma, pois bem, após os ditos oito anos os funcionários como um tudo conseguiram unir-se num esforço (sic) conjunto e por fim resolveram o que segue: formariam uma comissão; tal comissão chamar-se-ia Comissão de estudos de Análise, levantamento, Tabulação DE DADOS e implantação de Questões INTERNAS e afetas à diretoria do serviço Oficial; e a tal comissão seriam designadas as seguintes atribuições:
a) agilizar (sic) a análise dos fatos estabelecidos até aquela data,
b) levantar as variáveis que poderiam causar interferências deletérias em tais fatos,
c) cruzar os braços, digo, resultados de tal análise com aqueles de tal levantamento,
d) e aí cruzar as pernas, digo, os resultados então obtidos com aqueles provenientes da combinação de ambos, ou seja, da análise e do levantamento,
e) e por fim (sic) implantar as diretrizes que orientariam o processo de tomada de decisão sobre os supramencionados dias da semana em que deveriam ter lugar os também retro-referidos jantares em homenagem aos seletos membros da diretoria daquele Serviço Oficial implantado, patrocinado, fiscalizado e controlado por diversos organismos governamentais daquele país. 
Uma vez esgotados todos os sistemas de verificação legal e jurídica das implicações inerentes à constituição da comissão, processo esse que transcorreu em apenas 38 meses após a última tratativa n’O Carimbão d’Ouro, restaurante em que se levavam a cabo os aludidos jantares e em cuja fachada reluzia um lindo e irrestrito carimbo oficial em neon azul e roxo, que piscava a cada 500 milissegundos, chegou enfim a tão aguardada data em que a recém-instalada comissão realizaria a reunião de abertura para as igualmente sofregamente esperadas deliberações. 
Chegado o dia, e estando todos os funcionários afetos e diretores envolvidos reunidos no vasto saguão da repartição do louvado SeRViço soCIal, todos trocaram olhares interrogativos e ligeiramente nervosos e assim permaneceram até que alguém lá no meio da massa de barnabés ousou colocar a pergunta que não queria calar:
— Mas quem são os membros da comissão?
Um excitado burburinho prontamente percorreu a multidão que aguardava ansiosa, mas todos aquietaram-se tão logo o Diretor de políticas Internas do serviço Oficial ergueu um braço pedindo atenção e dizendo:
— Não há motivos para desalento, pressuposições apressadas ou espasmos musculares. Tendo em vista que nenhum membro foi deveras sancionado para a insofismável comissão, declaro a formação incontinenti duma subcomissão tripartite para analisar o caso e oferecer sugestões e, por que não? até mesmo recomendações para a linha de ação que todos devemos seguir!
Ante a salva de palmas que imediatamente tomou Conta do glorioso saguão, o Diretor de Políticas internas do serviço Oficial flexionou o tronco à frente em elegante mesura de lírico enlevo e agradecimento. Quando as palmas cessaram após apenas 18 minutos, ele constantemente retomou a palavra:
— Como representante dos funcionários do quinto Andar para baixo, indico o senhor Eurico Silveira. Como representante dos funcionários do Sexto andar para cima, nomeio a senhora Lurdes Bandeira. E como representante da diretoria, que, lógico, fica na Cobertura, designo a senhora Imaculada dos Reis.
Nova salva de palmas encheu os ares do estupendo Saguão, agora com mais vigor e acompanhada de febril Ovação e com duração de parquíssimos 39 minutos.
— E com a palavra a excelentíssima senhora Imaculada dos Reis! — exclamou o Diretor de políticas INTERNAS do serviço Oficial, apontando a mão espalmada para a recém-indicada membro da comissão que fora criada sem membro algum.
Dona Imaculada dos Reis era uma mulher de meia idade, baixa, alta, bem vestida com um cárdigã bege sobre calças cáqui e saia bordô, em resumo, distinta que nem ela só, e, qual todo funcionário (sic) que se preze, quase sem rosto e praticamente contracontestante.
Por isso, ou seja, por quase não ser autora duma petição inepta, foi ela, ou melhor, ela foi obrigada a envidar especial esforço (sic), às custas da parte interessada, naturalmente, para fazer-se escutar quando se aproximou do microfone e lascou:
— Bem, enfim! A quem interessar possa! Ab initio ab intestat, ab invito, pois, you know, jamais consultei um dicionário de latim na minha vida!
A plateia caiu no choro, emocionada. Uns queriam bis. Outros, deixando as línguas escapar da boca como se estivessem sedentos, pediam discurso. E Imaculada, sem protelar o início da ação cabível, mandou mais bala:
— Tendo em vista e dado que, todos sabem, e quem não souber saiba-o a partir de agora, que o dilema dos jantares é cada vez mais premente entre os funcionários (sic(sic)) deste volumétrico país!
— O hino! — alguém berrou da mesma forma indistintamente no meio da impessoal, peremptória e nada metafísica plateia.
Instalou-se solene e preponderante alvoroço por uso capião. Era impensável sequer pensar em realizar tamanho paroxístico evento todavia interveniente porém nada abstrato, por mais particularmente proclamada que houvesse sido a República!
— Eu tenho um cedê aqui! — berrou um providencial barnabé bem no meio da salmodiante porém coisa alguma coreográfica plateia.
Alívio geral e irrestrito! O cedê foi introduzido na vitrola e o magnânimo Hino Nacional finalmente tomou conta dos inebriantes ares da Repartição. Ao fim porém ao término, estrondosa salva de palmas irrompeu no recinto, perdurando brevíssimos 142 minutos. Imaculada fez uma pausa de igual duração, coincidentemente, e, demasiadamente ao cabo, prosseguiu, sub-rogada:
— Vejo-me forçada a tomar parte desta comissão para que, tanto no plano do doméstico quanto ao nível do internacional, há que confabular sobre as sanções fiduciárias e seguir adiante, noves fora! Por falar nisso, proponho desde já uma redução na jornada semanal de cinco horas para 28 segundos!
Retumbante, colossal, arrebatada salva de palmas e urros endoidecidos fez estremecer o pintado de azul-névoa saguão, acompanhada do uivos, assobios, murros e outras manifestações menos nobres e demiúrgicas no ar da turba barnabéica. Imaculada aguardou sabe-se lá quanto tempo que passou num piscar de olhos até que a comoção decrescesse e arrematou:
— Agora passo a palavra à Digna representante do sexto andar para Cima!
Novas ensurdecedoras palmas, até mesmo por parte dos que dormiam em pé — fato que passou desapercebido aos que o faziam sentados — e tomou a dita palavra a aludida Representante do mencionado sexto Andar para cima, ou seja, dona Valdenice Penélope das Mercês.
(Como todos hão de lembrar, quem o Diretor de políticas Internas do serviço Oficial indicara para representar o sexto andar para cima fora dona Lurdes Bandeira, não dona Valdenice Penélope das Mercês. Como sói acontecer nos procedimentos Internos das repartições do Estado, porém, as facções — pois que as há, claro, e de sobejo, tal como em todo órgão estatal digno do nome — fizeram um conchavo de última hora e a vontade da parte da dona Valdenice Penélope das Mercês terminou por prevalecer, espairecendo sobre a do grupo da dona Lurdes Bandeira.)
Uma vez explanado o acima exposto e exposto o acima explanado, dona Valdenice Penélope das Mercês trepou no púlpito, solenemente empolgou o microfone e abriu o verbo:
— Camaradas, como é do conhecimento de todos, o Departamento de INFORMAÇÕES Sensíveis para a salvação do estado e DeFINição das Mãos de direção das Ruas da Zona Leste, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Departamento de Estruturação de programas destinados À preservação dos Escaninhos d'Imbuia, em conjunto com a seção de Documentação de Ações para a Conjugação de esforços (sic. sic... sic!) e com a empresa de consultoria do pai do nosso companheiro aqui, o progressista Secretário adjunto De assuntos Afetos ao Sexto Andar para Cima, segundo a qual…
Ao proferir o último período, a saber, segundo a qual, dona Valdenice Penélope das Mercês foi interrompida por suprema e legatária manifestação de júbilo da plebe, que não pôde conter-se ante tão sincera peroração testemunhal. Quando todos ficaram afônicos de tanto berrar, Valdenice Penélope das Mercês retomou seu discurso exatamente donde havia parado:
— Olha, passei só 25 dias na praia depois do carnaval e hoje confesso ser a favor de treze meses de férias anuais. E 43 salários.
— No más! — ecoaram os que estavam à direita.
— Ni menositos! — suplementaram os que estavam à esquerda.
O Diretor de União de processos de MOBILIZAÇÃO subiu ao púlpito e sacramentou:
— Informo a todos que estou disposto a firmar minha posição e implicitamente transmitir um comunicado expresso, sendo que, como é do conhecimento de todos os presentes, a diretoria estima Em onze dias o prazo necessário para deliberação das moções apresentadas.
Assim que terminou sua exposição, o DIRETOR de união de Processos de Mobilização fez um gesto para dona Conceição Redenção, que sem tergiversação levantou-se da cadeira, apanhou uma maço de folhas xerocadas e passou a distribuí-las entre a multidão. Cada uma das folhas estampava a seguinte Conclamação aos Funcionários Da repartição:
Conclamação aos impressionantes funcionários da repartição
Camaradas, companheiros e simpatizantes (GPFD) !!!
Lá se vão 53 meses desde o início da nossa greve e o governo continua irredutivelmente irredutível, destomando conhecimento da legitimidade da nossa Causa (sic)! Nossa! Quão aprofundadas são as dificuldades da nossa classe! Pela permanênçia do CDRNBC! Abolamos a JDFRGr! Cadeia neles! Pela prorrogação do período de licença-eternidade para 12 anos! A diretoria da Repartição necessita urgentemente e chega de conversa! Mais oftalmologistas, otorrinos, videntes e Personal trêiners! A União é Nossa! Dá-lhe, Ari, que eu quero sacudir! (Provavelmente referindo-se ao autor da letra do Hino Nacional.)
O diretor de Promoção de ideias para a vitalização E reconhecimento Intensivo do Ambiente Regular de trabalho tomou o microfone e declarou finalizada a sessão:
— Declaro finalizada a seção!
Mas todos já tinham ido embora e ninguém prestou atenção.



Um comentário:

  1. Nossa, amei este Wil. Esse textículo é peremptoriamente e incontestavelmente o mais brasileiro de todos os brasileiríssimos Viva!!

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