Taila







Taila,





Está quase na minha hora, acho que preciso ir.
Veja só, nem deu tempo de nos conhecermos.
Mas sei, ou melhor, tenho certeza de que estaremos bem.
Você sob as poderosas, tenras asas de sua mamãe,
Uma das moças mais formosas que tive a oportunidade de conhecer,
E sob a terna inflamação do tonitruante vozeirão de seu pai,
Esse esbelto, altaneiro mancebo que também pude conhecer desde o primeiro dia.
E estarás ainda sob a afetuosa e atenta fiscalização de sua avó,
a mulher mais meiga, mais adorável que a loteria da vida julgou por bem colocar ao meu lado.
Por quê? você um dia haverá de se perguntar — ou talvez a ela própria —, olhando uma foto antiga, por que o destino resolveu unir essa deusa da doçura a um cara tão feioso, tão sem-graça, quase um inveterado boboca?
Se me permite, minha doce Taila, se me permite estragar a expectativa da resposta, posso lhe afiançar agora mesmo — é por causa desse nosso estranho coração, que nos faz ao mesmo tempo geniais e otários, auspiciosos e amaldiçoados, felizes e tristes.
E você estará ainda — ah que sorte a sua, minha cara menina — sob a égide da mulher mais admirável que conheci em toda minha vida.
Se tivesse tempo, passaria dois dias inteiros aqui tricotando encômios à sua tia Vera.
Por isso serei rapidinho, e rasteirinho, neste item — Vera é tudo de bom ao mesmo tempo, o barco e as ondas, o cais e a bússola, a âncora e o horizonte...
À medida que crescer, minha suave Taila de olhos do fundo do mar, você verá quanto é fácil agarrar-se à mão de Vera e cerrar as pálpebras e partir com a segurança e a certeza de que encetarão uma viagem ao redor do mundo e da vida e retornarão ao ponto de onde saíram sãs e salvas.
E se ainda fosse pouco, você contará com a proteção do mais bravo, do mais forte guarda-costas que pode haver — seu tio Ulisses. Como o nome indica, Ulisses nasceu para perambular e travar guerras. Não, não se preocupe — cada guerra que trava ele a vence c'uma tipoia num ombro e, como se desdenhasse do perigo, um olho fechado.
Sim, estou certo de que estaremos bem.
Mesmo que não te possa dizer onde estarei eu, estarei bem.
Em primeiro lugar, porque fui e sou amado por esses seres memoráveis que descrevi aí acima.
E no mesmo lugar, porque os amei e os amo em cada segundo desta minha vida parca.
Que ora esvanece.
Não, não acredite quando te falarem sobre o pós-vida.
Esse troço de vida após a morte é bobagem inventada por fariseus que não tinham mais o que fazer e covardes que tremiam ao troar dum trovão. Quer uma prova? Ei-la — se nunca mais voltar para te roubar um beijinho desse teu rosáceo bochechão...
Não. A vida é simplesmente uma lâmpada que se acende, rutila (e, dependendo da vítima, pode resplandecer ou apenas, como é meu caso, ir queimando óleo até tremelicar e puf! morrer sem motivo nem razão — e, pior, sem bem porquê).
A tal da lâmpada pode pifar de repente ou — Deus me livre e guarde — ir judiando do cabra até ele pedir arrego.
Sim, como também é meu caso.
Não, não se preocupe, meu anjo. Vou te contar um segredo — nós serzinhos humanos de terceira somos dotados desse botãozinho mental — invisível quando nascemos e estamos bem — que surge do nada só para nos permitir tolerar o fim sem maiores polêmicas. Clique! e pronto. Até a próxima.
De minha parte, estarei bem, esteja certa, minha amorosa Taila.
De resto, espero que seu pai não torça aquele naso italiano dele pra essa gororoba de tempos verbais que deixo aqui. Simplesmente diga a ele, pai, o vovô disse que essas coisas são normais e você vai se acostumar com o tempo, hehehe...
Que nada, estou brincando. Se não fosse a fortaleza que é, ele não teria chegado aonde chegou.
Deixei por último o homem mais macho e terno que conheci em minha vida e acabei encerrando o textículo sem ele. Val, sorry. Você merece um verbete único, especial em minha claudicante enciclopédia, um estudo à parte. Se há uma oportunidade de lhe agradecer por tudo que me proporcionou e me ensinou na lida, é esta.
Ainda de resto, estarei bem, minha dileta Taila.
Junto com meu pai, junto com minha mãe, junto com meus irmãos, te olhando crescer, te olhando brincar, chorando quando chorares, rindo quando rires, todos torcendo para que teu caminho seja iluminado, de minha parte doidinho pra te dar um beliscão nessa tua tez de porcelana...

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